MARIO COVAS

Pronunciamentos

Principais Pronunciamentos

Primeiro Mandato – 1º de Janeiro de 1995

Tomo posse com humildade diante da grandeza de São Paulo – uma Argentina encravada no coração do Brasil. Tomo posse consciente dos desafios dramáticos que aguardam a mim e a minha equipe. Uma enorme responsabilidade pesa sobre os nossos ombros, agravada pelo volume e pela urgência das demandas populares. Mas tomo posse, sobretudo, com os olhos postos sobre as nossas grandes cidades, quando me vêm à mente imagens que reluzem como emblemas: o de trabalhadores que vão a pé ao trabalho, noite adentro, porque sem dinheiro para pagar a passagem do ônibus; a das mãos dos presos, penduradas fora das grades das celas das nossas delegacias, marcas da superlotação e da violência que lavra; a de mães angustiadas, carregando seus filhos no colo, na longa espera de um atendimento que falha. Tomo posse o coração pequeno, mas a consciência indignada, só de lembrar minhas andanças por este Interior imenso, quando vi muitos milhares de boias-frias madrugarem, para labutar na safra ou no plantio, e quando soube que, quase sempre, ficam cinco meses por ano sem emprego. São Paulo não merece isso. Povo de meu Estado. Nesse dia de hoje, misturam-se a estas justas inquietações, a alegria e a esperança que todos os paulistas cultivam: desde logo, por ser o Ano Novo, o calendário, que se inaugura, anima em cada um de nós a certeza de dias melhores; depois, porque a posse de novos dirigentes alimenta inegáveis expectativas. De algum modo, muitos acreditam que, com Fernando Henrique presidente, o Brasil nunca mais será o mesmo. E nessa perspectiva, sem dúvida, não erram. Pois, como bem disse o presidente em seu discurso de despedida no Senado, a transição encetada no tempo de Geisel se completou. Mas, em especial, a “era de Vargas”, com seu modelo de desenvolvimento autárquico e seu Estado intervencionista, findou. Um novo modelo está sendo construído, e São Paulo poderá manter nele seu lugar de dínamo e de colmeia de cérebros e de iniciativas. A nova configuração assenta-se em três pilares: uma economia estabilizada e aberta; um Estado indutor do crescimento sustentado e parceiro do setor privado; uma integração competitiva com a economia internacional. Mais que tudo, entretanto, há um eixo que é a razão de ser de todos os esforços para que o Brasil e São Paulo cresçam e se modernizem. Algo que transforma tudo em precondição. Trata-se do resgate da dívida social. Eis o compromisso maior da minha candidatura e de meu governo: a determinação de revolucionar o cotidiano dos paulistas. Porque quero ver devolvida a dignidade a milhões de deserdados e quero ver convertido o Estado numa rede de eficiência no atendimento daqueles que estão nas pontas das linhas. Os usuários, os contribuintes, os cidadãos, àqueles que penam nas filas das escolas para matricular os filhos, àqueles que se desesperam nas salas de espera dos postos de saúde, àqueles que sofrem nos saguões das repartições públicas para tirar documentos ou para pedir informações, àqueles enfim que se sentem enjeitados porque são tratados como se enjeitados fossem. Não é no assistencialismo que estou pensando, não, mas na competência em bem servir. Dadas as modernas tecnologias de gestão disponíveis, filas são aberrações, tanto quanto o são o analfabetismo, a ignorância e a fome. Penso que, às vezes, mais vale eliminar uma fila do que construir um viaduto. Por respeito. Por decência. Por coerência com a razão de ser do Estado que não está aí para servir-se da sociedade, mas para servi-la. Vamos virar uma página na história paulista. Vamos oferecer qualidade de vida à população – cidadania se faz assim. Reitero o sentido mais profundo dos compromissos da minha campanha, quando olhos e ouvidos atentos indagam na minha fala, e em meus gestos, se serei o mesmo homem no Palácio que fui nos palanques. Falo alto e bom som: serei o mesmo, como sempre fui, um homem público com uma cara só, sem pirotecnia e sem meias-verdades, teimoso até, de tanto cumprir a palavra empenhada. Sou portador de boa nova. Carrego a esperança que chegou a hora de resgatar duas dignidades. A de São Paulo, para que se reafirme como Estado-líder da federação; a da população desvalida, para que conquiste efetiva cidadania. Não pretendo comandar no governo uma mera troca da equipe diretiva, como se substituíssemos a guarda de plantão. São Paulo sempre padeceu de uma carência: desde os anos 30, nunca pôde equiparar sua influência política a seu peso econômico. Chegou a vez, por isso mesmo, de devolver a São Paulo a voz que lhe pertence. Uma voz que corresponda à sua importância estratégica. Mais ainda: é urgente recuperar o dinamismo econômico que sempre fez de São Paulo uma alavanca do desenvolvimento brasileiro. Com um acréscimo crucial, fruto da contemporaneidade: cumpre centrar parte dos esforços num desempenho pioneiro – o de difundir e praticar a Revolução Tecnocientífica que está em curso no Primeiro Mundo. Esta revolução está transfigurando processos de produção e relações de trabalho, formas de gestão e matrizes de pensamento, vantagens comparativas entre as nações e modos de vida das populações. A partir dela, a capacidade intelectual e a competitividade empresarial passaram a reger as relações internacionais. São Paulo não tem como, nem por que, omitir-se ou posicionar-se com timidez. Deve responder à altura, ciente de sua responsabilidade histórica, em respeito aos talentos que abriga e em função da complexidade de sua infraestrutura industrial, agrícola e de serviços. A primeira jornada consiste em devolver a São Paulo seu lugar de direito. Para que a economia paulista se integre, com força plena, na economia internacional, cada vez mais globalizada, gere mais empregos e redistribua mais renda. Mas esta jornada não basta a si mesma. É parte indispensável de um segundo resgate, cujo caráter não é político, nem tecnológico, mas social. Trata-se da dignidade de vida dos paulistas. Em particular, daqueles que se amontoam nas cidades-dormitório, daqueles que passam fome em meio à opulência de alguns e que sofrem a humilhação dos trens de subúrbio, daqueles que penam em abandono nos corredores dos hospitais e que se alienam na indigência de um ensino em crise. Resgatar sua dignidade é prover-lhes serviços públicos decentes para que eles não se sintam párias em sua própria terra. Para tanto, é preciso mobilizar recursos, arregimentar competências, sacudir crenças, varrer disparates burocráticos, inaugurar práticas que traduzam a vontade política em tijolos de solidariedade social. É muito querer, sem dúvida. Mas quem não sonha não faz. Não quero ser o governador do Estado que bate o ponto, exara despachos e assina decretos, na pachorrenta rotina do Palácio. Quero ser um divisor de águas. Quero infundir à minha equipe, e a essa generosa população que será servida, a coragem de desafiar as corporações que se encastelam em cada dobra da paisagem social. Quero romper com as tradições que se acomodam ao populismo e ao clientelismo. Quero fazer das políticas públicas um instrumento de redenção e de justiça social. Quero dar conta, sem vacilar um minuto, das urgências populares. Pretendo contribuir para apagar da memória estatística essas obscenidades que são nossos indicadores sociais. Afinal, faz sentido saber que, numa terra em que tantos alimentos se produzem dezenas de milhões enganem sua fome catando restos no lixo, ou tomando pinga, ou cheirando cola, ou simplesmente deixando o estômago roncar? Quando o Brasil precisou, a sede de combustível dos carros foi saciada com sofisticada produção de álcool, por que não encontrar respostas igualmente competentes quando se trata da fome dos brasileiros? Como é possível aceitar que cidades pujantes como as nossas mostre, em cada esquina, o horror de seus cortiços e as chagas de suas favelas? Mostrem gente com dentes apodrecidos, famílias desagregadas pelo desemprego, crianças batendo nos vidros dos carros atrás de um troco? Revelem, enfim um Estado ausente, incapaz de cumprir suas funções por inoperância, incúria ou descontrole? Vale dizer, temos duas frentes de combate: a primeira consiste em eliminar o descaso burocrático, a ineficiência técnica, o inchaço da máquina, os desperdícios inaceitáveis, a desordem nas finanças; visa a proceder a uma reengenharia do Estado para torná-lo capaz de cumprir suas funções. A segunda nos remete a uma problemática maior, quando o governo de São Paulo não poderá deixar de contribuir, de maneira eficaz, para redistribuir renda a tantos milhões de excluídos. Há uma lógica nisso tudo que um simples princípio traduz: o de que todos deveriam ter iguais condições para desfrutar oportunidades. Não se trata, apenas, de assegurar iguais oportunidades, como reza a cartilha oficialista. É preciso ir além: não só garantir a todos o acesso a elas, mas criar condições para que todos possam tirar efetivo proveito dessas oportunidades. E como se faz isso? Assegurando uma educação universal e eficiente, uma saúde pública que funcione, moradias decentes, água tratada, um transporte coletivo seguro; em suma, satisfazendo as necessidades sociais básicas da população, com competência e sem discriminação. Povo de São Paulo. Por onde começar? Vamos ser inflexíveis com a moral na gestão da coisa pública: vamos combater a corrupção, dizer basta ao loteamento dos cargos, acabar com o desperdício das obras inacabadas. Não faremos segredo das decisões, não usaremos manobras de bastidores, mas tornaremos acessíveis ao público os documentos oficiais. Vamos reinventar as práticas administrativas, usando formas empresariais de gestão. Vamos promover parcerias inovadoras com o setor privado e com o setor das associações voluntárias, delegando a produção de serviços públicos a quem tiver maior competência para fazê-lo. Vamos priorizar os investimentos com base em critérios de eficiência social e econômica. Vamos transformar empresas estatais e repartições públicas em centros de produção de resultados, para que possam prover serviços de qualidade para a população. Vamos descentralizar a gestão e avaliar os resultados, usando as tecnologias da informação para conferir autonomia às unidades locais – escolas, hospitais, distritos policiais, postos de saúde, escritórios regionais, serviços de assistência social e assim por diante -, e vamos mobilizar a população usuária para que avalie o desempenho dos serviços prestados. A razão desta nova arquitetura para o Estado é sempre a mesma e vai ao encontro de meu maior compromisso de campanha: reduzir a desigualdade e promover a justiça social. Incluir no mercado de trabalho e de consumo quem está fora dele, fornecer oportunidades de emprego para quem queira trabalhar e estímulo para quem queira produzir. Propiciar melhores condições de vida para a população, através de serviços públicos que funcionem. O povo clama por austeridade. Como iremos restaurar as finanças públicas? Através da moralização das práticas de gestão, graças à modernização dos métodos e da informatização dos processos. Sobretudo, pela redução dos custos. Pelo estímulo à dinamização da economia paulista. Pela cobrança da dívida ativa e pelo combate firme à sonegação. Pela renegociação, a preços de mercado, dos contratos e dos serviços. Pela securitização da dívida pública. Pelo financiamento dos investimentos através da concessão de serviços. Pela avaliação do desempenho das empresas estatais, com base em metas previamente negociadas. Pela revisão da política de isenções. Pela simplificação da tributação, beneficiando os pequenos contribuintes. Pela alienação, por fim, dos bens públicos improdutivos e pela racionalização do uso dos ativos existentes. O povo clama por seriedade. Como induzir o aumento da produtividade e da competitividade paulista? Vamos garantir regras estáveis e duradouras: quem produz e quem trabalha não pode ficar à mercê de sobressaltos, vítima de medidas tomadas na calada da noite. Vamos descomplicar a vida de quem queira produzir e simplificar a tributação. Vamos priorizar o investimento público que multiplique empregos e oportunidades. Vamos resgatar a cultura do trabalho e estimular as iniciativas empreendedoras, sobretudo das micro e pequenas empresas. Vamos formar parcerias com o setor privado para explorar novas oportunidades de mercado e aumentar a oferta de bens de consumo de massa. Vamos dar prioridade ao uso de instalações e equipamento existentes. Vamos apoiar a criação de câmaras setoriais e de projetos de impacto regional. Vamos incentivar novas formas de trabalho autônomas, cooperativas, ligas e esquemas familiares, e dar especial atenção à economia informal para que possa desenvolver-se sem ferir os interesses das empresas formais. Vamos resgatar as organizações não governamentais (as chamadas ONGs) nos programas de geração de emprego e renda, e estimular as atividades industriais que usem intensivamente mão de obra. Vamos, por fim desenvolver um programa de incubadoras e de parques tecnológicos, e dinamizar os institutos de pesquisa. O povo clama por respeito. Como promover a cidadania e proteger as liberdades democráticas? Dando atenção aos segmentos que têm sido objeto de discriminação e de descaso. Atacando de frente os fatores de agressão ao meio ambiente: destinação de lixo, tratamento dos esgotos, águas contaminadas, controle da poluição, acesso a área verdes. Mas principalmente: defendendo os direitos do consumidor e do contribuinte; criando comissões de avaliação da qualidade dos serviços públicos; instituindo ouvidores públicos que, em contanto direto com a população, colherão queixas e sugestões e acompanharão ações corretivas; implantando núcleos de arbitragem setoriais para buscar soluções, junto aos fornecedores, dos problemas apresentados pelos consumidores. O povo cansou de tanto desiludir-se. Chegou a hora da verdade. Chegou a hora de honrar, mais uma vez, minha dívida de gratidão. Devo a São Paulo minha formação escolar e acadêmica, aluno que fui de escolas públicas. Devo a esta terra a bênção de ter tido esposa, filhos e netos saudáveis e que me brindam com extraordinária felicidade. Devo à capital de São Paulo a rara experiência de ter sido seu prefeito durante trinta e três meses, oportunidade em que pude contribuir para encurtar as distâncias sociais que separam os paulistanos. Devo à generosidade do eleitorado de São Paulo três mandatos de deputado federal, um mandato de senado e, agora, um mandato de governador que – tenham todos certeza -, viverei, dia após dia, com empenho de quem tem pressa, com a sabedoria de quem tem humanidade, com a obstinação de quem tem compromissos, e, acima de tudo, com a responsabilidade de quem sabe que não pode falhar. Governador de todos os paulistas, quero citar, por fim, alguns versos do saudoso poeta Vinicius de Moraes que resumem o imperativo da solidariedade social: “Meu Senhor, tende piedade dos que andam de bonde E sonham no longo percurso com automóveis, apartamentos… Mas tende piedade também dos que andam de automóvel Quando enfrentam a cidade movediça de sonâmbulos, na direção. Tende piedade das pequenas famílias suburbanas E em particular dos adolescentes que se embebedam de domingos Mas tende mais piedade ainda de dois elegantes que passam E sem saber inventam a doutrina do pão e da guilhotina.” Muito obrigado.

Segundo Mandato – 10 de Janeiro de 1999

Senhoras e senhores, Ao dirigir-me aos membros desta Casa é ao povo de São Paulo que falo. É a ele que saúdo como companheiros de viagem se saúdam: com entusiasmo e confiança no sucesso da jornada. No umbral de mais um milênio, às vésperas dos 500 anos da descoberta do Brasil, é para uma nova travessia que nos aprestamos, rumo à conquista do inadiável mundo do desenvolvimento, da solidariedade e da justiça social. Nosso caminho não é apenas o da esperança. São Paulo já provou ser capaz de renascer do caos em que foi atirado pela inépcia, pela incúria e pela incompetência. E a dignidade reconquistada por São Paulo foi, com justiça, atribuída menos à atuação dos governantes, que ao reclamo do seu povo, há muito exigente da honradez e da ética. Honra não é palavra inventada para inflamar discurso, é virtude que deve ser exercida pelos governantes que entendem e respeitam as dificuldades da sua gente. Porque, exatamente sob a égide da honradez e da ética, os brasileiros de São Paulo construíram suas vidas: nas comunidades modestas das periferias; no anonimato das usinas e das fábricas; na exaustão dos canteiros de obras; na faina árdua dos campos; na solidão do quartinho dos fundos do apartamento burguês. Os necessitados do meu Estado, os pobres da minha cidade, terão no exercício da minha autoridade, ainda e sempre, o cuidadoso e obstinado esforço de diminuir as distâncias sociais, porque cabe colocar na equação autoridade-liberdade o ideal superior da igualdade. Esta é a minha visão da social-democracia. É, pois, uma sociedade solidária que urge criar, superando toda forma de exclusão e preconceito, diminuindo as distâncias sociais, tornando objetivo o anseio de justiça e eqüidade. Propiciar oportunidades iguais é indispensável, mas não suficiente, à formação de uma sociedade fraterna, na qual cada homem e cada mulher reconheçam no outro mais um irmão. Unamos, pois, nossas forças para construí-la, neste mandato que encerra um século, mas que inicia um milênio. Enganam-se os que tentam semear desesperança em terra paulista. Aqui o sonho é permitido, porque nos recusamos a dormir em berço esplêndido, esperando que nos ajudem hoje os algozes de ontem, os rejeitados e expulsos do poder, os acossados pela justiça, os que não acreditam e os que torcem pelo caos. Inegável porém, é que turbulências do Leste trouxeram momentos severos. Para ultrapassá-los, é imperativo que o País promova um intenso ajuste, assegurando, assim, o seu destino, que é o do desenvolvimento. O País, porém, não é um ente distante, apartado da nossa realidade imediata. Não é apenas um mapa pendurado na parede. O Brasil somos nós, todos nós. São Paulo se atribui a responsabilidade de chamar para si, como se sua por inteiro fosse, qualquer missão de interesse nacional. São Paulo tem plena convicção de que o Estado e o País são uma única alma, um único corpo, e que não há dor ou aflição que ferindo um não afete o outro. Portando, se o Brasil é ameaçado, São Paulo reage, recusando a irresponsabilidade como bússola e o quixotismo como estandarte. Igualmente, é preciso não confundir discordância com ultimato. Nem lealdade com subserviência. Lealdade é um valor praticado entre companheiros, mas há uma forma de lealdade que se sobrepõe a todas: a lealdade aos destinos do país. Apoiar não significa deixar de emitir discordância. É o que São Paulo tem feito. Não apenas em seu interesse, mas também no da sociedade brasileira. A história republicana ensina e reitera que o povo e os políticos de São Paulo nunca desertaram da responsabilidade e do interesse. Importa, então, assumir a questão política com dignidade e audácia. Em alguns momentos históricos, o inimigo da melhor vitória acaba sendo o bom senso trivial. Em outros, o melhor a fazer, ainda que mais arriscado, é ousar. Novos tempos requerem ousadia. Hoje vivemos o paradoxo de ver operários a ocupar fábricas, não para fazer greve, mas para poder trabalhar. A moeda estável, a derrota da inflação, a nova dinâmica da sociedade, tudo isso impõe que nos libertemos das regras ortodoxas. O Brasil não é um País que seja presa fácil ou inerme aos ataques da especulação predatória. Nossa economia já reúne instituições conquistadas e lideranças testadas e vitoriosas, além de políticos experientes e decididos. Adversidade? Não… Não me venham falar em adversidade. A vida me ensinou que, diante dela, só há três atitudes possíveis: enfrentar, combater e vencer ! Por isso temos pressa. São Paulo não pode esperar um dia, um minuto, para oferecer ao país a sua parcela de luta para a construção do Brasil que o povo brasileiro merece. E se essa luta se trava em várias frentes, São Paulo estará – como sempre esteve – presente e atuante. Seja por uma questão de seriedade, seja por patriotismo, seja até por conveniência, São Paulo jamais virará suas costas ao Brasil. Exatamente por isso, São Paulo honrará todos os compromissos assumidos. Exatamente por isso São Paulo vai lançar mão, com igual denodo, de todos os meios ao seu alcance para buscar o ponto de equilíbrio entre a indispensável estabilidade econômica e a urgente retomada do desenvolvimento. Nosso Estado espera, para muito cedo, que se rompa a aparente contradição entre crescimento e estabilidade. Na realidade, ambos são conceitos indissociáveis para a concretização do desenvolvimento sustentado. A existência da estabilidade não gera necessariamente desenvolvimento. Da mesma forma, desenvolvimento não implica forçosamente a estabilidade. Para que ambos convivam, é preciso vontade política nacional. E é essa vontade que deve ser perseguida. Não pensam assim os não acreditam nos valores na democracia e tudo atribuem às forças do mercado. Não é este o caso da social-democracia. Reforçaremos a posição de São Paulo como pólo de competitividade e desenvolvimento sustentado, mas como protagonista, e não como vítima, da globalização. Sem abrir mão do rigor orçamentário, o governo de São Paulo vai aprofundar a modernização da máquina pública, reforçar a infra-estrutura, atrair novos investimentos. Vai estimular as micro, pequenas e médias empresas, para ampliar os postos de trabalho, enfrentando, assim, a questão central da sociedade moderna: a da geração de empregos. É indispensável construir não um cenário, mas uma realidade na qual se universalize a qualidade de vida, dilatando-se os horizontes, abrindo-se novas oportunidades de futuro. É possível sonhar, mas é indispensável unir o sonhador àquele que realiza. É imprescindível juntar o que idealiza ao que executa, e apropriar-se do mundo com criatividade. Se é verdade que tudo que molesta o Brasil afeta São Paulo, é igualmente verdadeiro que tudo que prejudica São Paulo compromete o futuro do Brasil. São Paulo está preocupado com questões que, envolvendo o nosso e os demais Estados, envolvem todo o País. Refiro-me à necessidade, urgente, de baixar as taxas de juros a patamares que permitam estimular a produção e gerar empregos. Não é inteligente, e muito menos socialmente justo, que o País condene sua juventude e sua força de trabalho à escuridão da desesperança. O Estado deve à criança o acesso à educação. Aos homens e mulheres em idade adulta, condições de vida compatíveis com o exercício da cidadania. E, aos idosos, a possibilidade de envelhecer com dignidade. Estes deveres se materializam em escola, habitação, segurança, transporte, e em muitas outras frentes, todas elas dependentes de recursos tributários originados da atividade produtiva. A equação é simples, e cruelmente singela. Os juros altos diminuem a produção, que gera menor receita tributária, que inviabiliza investimentos do setor público. Urge romper este círculo vicioso, para que São Paulo e o Brasil possam oferecer a seus filhos algo mais que palavras vãs de fé e de esperança. Sou do litoral, formado no convívio da gente simples da beira-mar, da qual recebi muitos ensinamentos: o conhecimento das marés; a leitura dos céus; as rezas que chamam os ventos e as rezas que amainam as tempestades e trazem a calmaria. Com muitos, mas também com pescadores humildes como Pedro, que jogava a rede e recolhia almas, aprendi que o homem é indissociável do mundo natural e da comunidade a que pertence. Que deve viver em harmonia com aquele, por mais que o sofistiquem a urbanização e a cultura; e que deve fundir-se intimamente com esta, respeitando, porém, a diversidade que possa apresentar. Essa fusão com o coletivo, fui buscá-la na política. E é a ela que devo um conhecimento mais profundo do povo de São Paulo. Moldados por uma multiplicidade de raças e de crenças, do operário do ABC ao assentado do Pontal, do empresário e do pesquisador da Universidade ao bóia-fria dos canaviais que ondulam sobre a terra roxa – em todos eles, em cada um deles, se reconhece o mesmo direito à felicidade, a mesma confiança no futuro, e uma enorme disposição para a solidariedade. É essa gente que devemos honrar, e é essa gente que será honrada. As urnas apontaram um inequívoco desejo de estabilidade. Mas indicaram também – com eloquência – a exigência premente de maior justiça social. Povo e governo não podem seguir dissociados. E quando aquele indica a rota, cabe a este persegui-la, conclamando para tanto toda a sociedade. Este País tem urgências. O Brasil não suporta mais adiar a retomada do desenvolvimento. São Paulo convoca a todos para esta árdua tarefa de construção e oferece, desde logo, todo seu vigor e amor à Pátria, sem temor e sem vacilação. Ao trabalho, paulistas!

17 de Janeiro de 2001 – Palácio dos Bandeirantes

A razão desta solenidade é muito gratificante e, ao mesmo tempo, muito constrangedora para mim. Pessoalmente eu recebo duas contribuições, uma positiva, outra negativa. E, por outro lado, o Estado recebe uma contribuição positiva e outra negativa. Mas, eu acho que está na hora da gente não perder nenhuma das oportunidades para lembrar algo que precisa de, uma vez por todas, deixar de ocorrer neste País. De, uma vez por todas, certas coisas que ocorreram no passado não voltem a se repetir. As safadezas, os desmandos, os erros, os absurdos que se cometeram ao longo deste período então não podem ser repetidos apenas por que eles são erros. Não podem ser repetidos por que eles destroem o futuro do Estado e, contribuem, no caso de São Paulo, sensivelmente para destruir o destino deste Estado, deste País. É, portanto, o momento de falar um pouco a respeito do que o Nakano e o Dall’Acqua encontraram aqui quando eles assumiram. Nem sempre a gente se atém a essas condições. Mas eu quero lhes dizer destes homens, que têm um enorme gabarito de natureza intelectual. O Yoshiaki Nakano nasceu em Cafelândia, na terra que eu conheço desde pequeno, no dia 13/08/44 (acho que aqui eles exageraram), deve ser 1934, ma alguém botou 44 aqui. Ocupou o cargo dele em janeiro de 95, jovem ainda, japonês desde que nasceu ele entrou com o couro e com a cabeça na tarefa de resgatar esse Estado. Não era uma tarefa fácil, sobretudo pelo que ele encontrou. Ele havia estudado na Escola de Fundação Getúlio Vargas, fez Administração de Empresas, desde 68. Foi professor de Teoria Econômica na Unicamp. De 1978 a 81 atuou como professor militante do Centro de Pós-Graduação e Desenvolvimento Agrícola da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. Ainda na Escola de Administração de Empresas da FGV coordenou o curso, chefiou o Departamento de Economia, dirigiu o Núcleo de Pesquisa de Publicações. Entre 1979 e 83, dirigiu o Departamento de Assuntos Econômicos do Grupo Pão de Açúcar, ocupou o cargo de Diretor de Crédito Rural do Banespa, de 83 a 85, e de vice-presidente do Badespe em 1985. Foi secretário-adjunto do Governo do Estado de São Paulo no período de dezembro de 85 a março de 87, ocupou o mesmo cargo na Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia, no período de março a abril de 1987. Em maio de 1987 entrou como secretário especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda. Em 1988 trabalhou como consultor do Banco Mundial até ser nomeado secretário da Fazenda e dirigir o Centro de Economia Política. É coeditor da revista de Economia Política, publicação da instituição desde 1980. Em novembro de 2000, em cerimônia realizada na Embaixada do Brasil em Tóquio, entregou condecorações da Ordem do Ipiranga para o embaixador do Brasil e para autoridades japonesas que colaboraram para a liberação de novo empréstimo do Japan Bank of International Corporation ao Projeto de Despoluição do Tietê . Diga-se de passagem, foi a primeira vez que o Japan Bank fez um empréstimo dessa natureza. O Japan Bank havia feito um empréstimo para São Paulo, para o trecho do Tietê, e o nosso empréstimo foi de tal ordem tão bem feito que sobrou dinheiro. Em outras palavras, nós conseguimos fazer um trecho grande do aprofundamento da calha do Tietê com a metade do dinheiro que deveria custar. E aí pedimos ao banco japonês que nos permitisse usar uma parte adicional do dinheiro disponível, não havia nem empréstimo adicional, para fazer o restante – um tour de force – porque na história do Japan Bank nunca houve uma operação desse tipo. Nós tivemos até sorte, porque isso ocorreu junto com o jogo Brasil x Argentina. Eu lembro que veio aqui o representante do banco japonês, que disse que aquela operação iria sair pela obstinação dos brasileiros e que essa obstinação ele queria ver reproduzida no jogo daquele dia. Foi uma tese muito simpática. Mas mais simpática que a tese foi o empréstimo, que acabou vindo e permitindo que nós retomássemos um fato que eu suponho que vá acontecer a coisa se o Ministério em não atrapalhar com isso. Isso significa que a obra no trecho do Pinheiros está praticamente feito e agora inicia a obra do rio Tietê, e a gente espera que … eu não espero mais nada, porque eu já não fiz tantas vezes, não fica pronto. Mas eu espero que, mais um ano e meio de obras, tenhamos o Tietê e o Pinheiros totalmente saneados em matéria de enchente, o que é uma obra realmente fundamental. E o Nakano foi designado para entregar ao representante japonês o prêmio pelo esforço que eles fizeram de, pela primeira vez na história do banco, contribuir para que essa operação pudesse ser feita. Bem, não foram só belezas que ele encontrou. Vamos ver o quadro que ele encontrou quando chegou aqui. A herança que o nosso Governo recebeu, o nosso não, o Estado de São Paulo recebeu quando nós assumimos era a seguinte: de 1987 1984 o Estado tinha entrado em colapso financeiro e eu não estou falando retoricamente, tinha entrado em “colapso financeiro” . Os déficits eram elevados, crescimento explosivo da dívida do Estado e um patrimônio líquido negativo, quer dizer, o Estado estava sob o estado de “falência efetiva”, não era falência anunciada, verbal. Patrimônio negativo do Estado era de R$ 5,2 bilhões. Bom, tudo isso tinha de ser enfrentado. E tinha de ser enfrentado segundo regras que nos pareciam as adequadas. Nós podemos verificar como é que evoluiu isso. Foi da seguinte maneira. Tenho aqui um quadro que vocês podem ver, é um quadro da evolução do déficit orçamentário do Estado de São Paulo mês a mês. Isto é, quanto o Estado gastou além do que arrecadou que é drama que o ajuste fiscal pretende resolver – de quebrar essa dicotomia pela qual se gasta quando chega em véspera de eleição mais o que se tem – e, portanto, em como consequência se cria uma porção de problemas. Talvez hoje um dos principais deles seja a queda na exportação brasileira. Na medida que isso ocorre na área privada, fica inviabilizada para exportar. Em 1986, o Estado teve um déficit orçamentário de 7,8% – isto é, gastou-se 7,8% a mais do que arrecadou. Mas também não criaram contento, não. Em 1989 pularam para 8,3%, em 1990 pularam para 18,9%, em 1991 para 21,2%, em 1992 para 19,3%, em 1993 para 25,6%, em 1994 caiu um pouco para 24,7%. Em 1995 – foi o ano que nós assumimos – baixo para 3%, em 1996 baixou para 0%. Ou seja, a partir daí, essa queda se manteve em 3% em 1995, se tornou positiva em 1996 com acréscimo de 0% e em 1997 com 2% e em 1998 com 1,1%. Isso tira um baita estoque das dívidas contratuais imobiliárias, porque se não tem dinheiro é preciso buscá-lo em algum lugar e esse dinheiro vai acrescendo como uma bola de neve na sua dívida e exigindo referências com relação ao valor da dívida. Bem, o estoque da dívida em 1986 e 1998 pulou de U$ 7,7 bilhões para US$ 50,5 bilhões, aí envolvido as empresas independentes, as empresas externas, valor renegociado com o Governo Federal e o contratual eterno. Até hoje não encontro quem acha que negociou-se mal com o Governo Federal. Pois bem, a dívida renegociada com o Governo Federal é de R$ 5,8 bilhões e se ela não fosse renegociada, seria hoje da ordem de R$ 92,8 bilhões. Com o acordo, ela se transformou em R$ 61,5 bilhões, sem acordo ela seria de R$ 92,8 bilhões. E foi isso que permitiu que nós retomássemos uma equação razoável para efeito de trabalhar. Se vocês quiserem ver o que isso representou em variação percentual, a dívida do Governo Quércia nesse período aumentou 13,9%. A dívida no Governo Fleury aumentou 20% e a dívida no nosso Governo aumentou 32,3%. Como é que se resolveu esse problema. Primeiro atuamos em todas as frentes. A primeira delas foi o refinanciamento da dívida com o Governo Federal. Foi feita uma operação pela qual o Governo Federal assumiu certas dívidas do Estado. Nós transferimos ativos para a União, entre os quais, ações da Eletropaulo, ações da Cesp, Fepasa, Ceagesp, Banespa. O Governo Federal assumiu as dívidas, 22,9 bilhões de dívida imobiliária; 6,9 bilhões da Nossa Caixa e 29,6 bilhões do Banespa. O refinanciamento foi feito em 30 anos com taxa de juros de 6% ao ano. E isso permitiu que a gente tocasse a vida para frente. A capacidade de pagamento da dívida, o resultado primário, o déficit primário era 4.499 bilhões em 94 e pulou para um superávit primário de 1.286 bilhão em 1998. E é com o superávit primário que a gente consegue sustentar a diferença. Eu tenho a impressão que isso chega. Eu estou citando esses números apenas para valorizar o trabalho dessa gente. O Nakano, o Dall’Acqua e toda a turma que trabalhou com eles, para mostrar com que esforço isso foi feito. Esforço não é importante porque o esforço se faz no papel, esforço se faz na teoria. O que é importante é a vontade política de resistir a toda força que se faz para que isso não aconteça. Porque todo mundo quer dinheiro para gastar. Ninguém quer passar por um período de vacas magras pelo qual a gente recompõe a economia de maneira que no futuro ela possa responder às necessidades. O que mais se fez? Déficit zero, redução de alíquota média do ICMS. Nós reduzimos a alíquota média do ICMS de algumas centenas de milhares de produtos; aumento de eficiência no recolhimento do imposto; aumento de 35,6% das receitas correntes entre 94 e 98; aumento de 1,1% na despesa total entre 94 e 98. A receita aumentou 94 a 98% e a despesa aumentou 1,1%. Foi essa diferença que permitiu fazer isso. Isso foi doído. Foram 180 funcionários que foram despedidos. E despedir 180 funcionários é preciso ter articulação política, é preciso concordar com os próprios funcionários, é preciso encontrar a maneira de fazer isso e ao mesmo tempo é necessário vontade política. A redução das despesas do Poder Executivo foi de 2,5%. Os outros poderes tiveram uma elevação da despesa de 37,1%. Resultados do orçamentário até o ano de 98. Em 94 o resultado orçamentário foi negativo, 5,940 milhões. Em 1998 ele foi positivo, 30 milhões. Com isso, nós chegamos ao final desse ano com uma posição razoavelmente equilibrada. Uma posição em que a gente sabia exatamente quanto podia gastar e quanto podia investir. E foi o que foi feito. Nós não abrimos mão em nenhum instante de aumentar aquilo que podia ser feito. É verdade que eu não fui mau deles nisso (risos) e toda a administração foi extremamente compreensível dessa necessidade. Sabendo que o que está acontecendo hoje, quando a gente tem uma expectativa de investir R$ 4,7 bilhões nesse ano, nasce exatamente desse trabalho. Que eu ainda não sei se será possível viabilizar ou não, porque o que tem pela frente ninguém sabe. Que tipo de dificuldade, que tipo de crise internacional virá. De qualquer maneira, a infraestrutura para tocar para frente está feita. Por isso eu fico muito orgulhoso dessa gente que está aqui. Não só o Nakano e o Dall’Acqua, mas de toda gente da Fazenda, toda gente que fez o back-ground, fez a infraestrutura desse trabalho. Não depende de mim, não. Não é o resultado da minha vontade, a não ser pelo fato de compreender que isso era uma necessidade e tentar ajudar a viabilizá-la. Hoje a Secretaria da Fazenda caminhou para uma nova modalidade. Ela, ao mesmo tempo que faz isso, ela muda a feição da Secretaria, construindo o Governo Eletrônico. Uma realidade nova em que nós estamos à frente do Governo Federal. Ou seja, nós estamos construindo uma modalidade eletrônica de Governo pela qual alguns dos resultados são palpáveis, visíveis, como é o caso do IPVA. Uma atividade pela qual a simples informatização deu resultado de multiplicar por três a arrecadação do IPVA. Mas isso não favorece o Estado apenas, porque a arrecadação do IPVA é dividida entre o Estado e o município. Portanto, na medida em que está se favorecendo o Estado, está se favorecendo também o município. Às vezes as pessoas vêm me perguntar o que o prefeito faz com esses compromissos que ele vai ter que assumir aí. Faz o que foi feito. Vai atrás de, em vez de reclamar, de tocar para frente e enfrentar essa dificuldade tal qual foi enfrentada aqui. E nós enfrentamos sem contar muita vantagem. Mas os resultados estão aí. Eu fico muito satisfeito e quero dizer que uma das razões porque me estendi nessa conversa é porque as pessoas que estão envolvidas nessa tarefa são pessoas que merecem essa referência. Eu tenho certeza que eles vão continuar trabalhando conosco e dotando o Estado de qualificações não apenas através do secretário da Fazenda e do seu adjunto, mas através de todo esse time que joga aí na tarefa. Então eu queria, em primeiro lugar, manifestar o meu agradecimento a essa gente. A tarefa que eles fizeram não é uma tarefa do Governo. Quero dizer que eles não saem do Governo, nenhum dos dois. Eles continuam no Governo, talvez com atividades diferentes. O Nakano deixa de ser o secretário, mas vai ser o chefe do Governo Eletrônico. Volto a insistir que o Governo Eletrônico hoje está em condições melhores do que a do Governo Federal, portanto a gente tem que tirar o chapéu ao serviço que essa gente fez. E o Dall’Acqua, que é uma máquina de trabalhar, vai ajudar muito a viabilizar essas coisas. Quero agradecer muito a vocês todos. Essa não é uma solenidade destinada a alguém em particular, por mais que eu goste do Nakano, por mais que eu goste do Dall’Acqua e gosto dos dois, embora tenha muita gente aqui que não goste (risos), os secretários aqui são assim com eles. Porque eles apertam eles e a administração pública é para a gente apertar, não é para dar moleza. Para a gente fixar parâmetros e cumprir esses parâmetros. Então, eu quero dizer a vocês que fico muito gratificado. Ninguém vai dizer que eu gaguejei hoje (risos). O Estado está tentando fazer a sua função. Nem sempre com competência, nem sempre com capacidade, mas com grande esforço e eu acho até que com algum resultado prático. Nós vamos chegar ao final do Governo com o Estado enxuto, capaz de cumprir suas tarefas. E não importa muito se houver correspondência da parte da opinião pública ou não. Não é isso o fundamental. O fundamental é que se os resultados que nós tivemos foram resultados significativos e isso nós tivemos até agora. Eu não morro de amores pelo Nakano nem pelo Dall’Acqua, afinal eles também não merecem isso. Tem muita mulher bonita (inaudível). (risos) Quero dizer a vocês que fico muito grato de vocês terem vindo aqui. Estarei aqui em outras oportunidades que vocês vierem, mesmo quando as mudanças são mudanças menores. Por exemplo, a Rose está me apertando o quengo porque ela quer vir anunciar um bilhão e setecentos milhões de reais. Não, um bilhão e setecentos eu aumentei. Cento e trinta e sete milhões para os professores. Duzentos e setenta? Cada dia que eu falo com ela aumenta isso. (risos) É o resultado de uma aplicação decorrente do fato que a Receita aumentou e portanto a lei obriga a pagar para o Ensino Fundamental. Então ela imaginou uma picaretagem aí (risos), para dar para os professores o equivalente a um abono de R$ 750 a R$ 3 mil. Que ninguém venha dizer que o professor de São Paulo ganha pouco. Ganha bem, ganha com um esforço danado, merece o ganho, mas é o que vai acontecer nos próximos dias. Fora as outras coisas que ela aprontou aí. E ela está querendo fazer isso quando? Tudo depende de mim (risos). Quem é que tem a minha agenda aí? Amanhã nós vamos entregar 81 unidades de habitação em Itapecerica da Serra, vamos entregar pavimentação da ligação Pirapora/SP-280 em Pirapora, vamos entregar o lançamento da central digital e depois tem uma audiência com o presidente do conselho do Banco Santander. Devem ter ficado com pena da gente e dar metade do dinheiro que eles deram para o Governo Federal (risos). Depois, na quinta-feira eu tenho que ir à São Vicente inaugurar uma das obras sociais mais significativas pela qual eu brigo desde o começo do Governo que é o famoso México 70. Obra social significativa. No dia seguinte vou a Barueri inaugurar a Marginal Leste da Castello Branco, que vem lá de Alphaville até o centro da cidade. Na sexta-feira vamos entregar 220 unidades habitacionais em Diadema. E sábado entrega de cheques do Banco do Povo e pavimentação da estrada Valinhos/Barão dos Cocais. Em Amparo, entrega da terceira faixa da SP 95, Amparo até Jaguariúna. E, finalmente, na outra terça-feira, em Apiaí, entrega da pavimentação da estrada SP 249 no bairro Palmitalzinho.

20 de Janeiro de 2000

Ultrapassado o Equador, era o desconhecido. Pouco a pouco, a Estrela Polar desaparecia ao norte, fazendo aumentar o temor. Intrigava um Cruzeiro luzindo cada vez mais intensamente – anunciando um fim iminente, talvez ou – provesse a Deus – abençoando aqueles mares e, mais além, a costa. Não se deu por acaso, que à caminho das Índias, um continente recebesse aqueles navegantes. Há muito os aguardava a árvore que daria nome à nova terra. De folhas verdes, como verdes são as folhas de todas as árvores. Mas de flores amarelas, que florescem em setembro. Verde-amarelo que anunciava o país que também iria florescer em um certo setembro, muito depois. Em 22 de janeiro 1502 os portugueses atingiram o sul. Exploravam pela primeira vez aquelas plagas, e as batizaram com o nome do santo do dia: Vicente, que quer dizer vencedor. Exatos trinta anos se passam, e começa a ser confirmado o presságio. Também na festa de São Vicente, Martim Afonso desce ao Gohayó – o campo de bom acolhimento, como o chamava o gentio. Arrua o terreno, faz subir o pelourinho, levanta a igreja, ergue a Casa da Câmara, criando a primeira cidade do Brasil, dando origem a pátria vitoriosa, como o seu padroeiro. No solo vicentino se plantou a primeira muda de cana-de-açúcar do país, iniciando a sua prosperidade. E agora o Brasil é o maior produtor do mundo. Nos seus campos se multiplicou o primeiro rebanho brasileiro, que hoje só é menor do que o da Índia. Este caso, porém, não vale, porque na Índia o boi é sagrado e, como tudo que é sagrado, é quase imortal… Muitos dos que vieram naqueles tempos buscavam o Paraíso. E pensaram tê-lo achado. Sinais fortaleciam a crença. No céu, a constelação que simbolizava o martírio de Cristo. Na mata, a flor do maracujá, em que se identificavam os instrumentos da Paixão: a coroa de espinhos, os cravos da crucificação. A própria nudez inocente dos “bons selvagens” sugeria, nestas latitudes, a inexistência do pecado original. Tudo na nova terra apaixonava. Por isso aquela gente foi ficando, esquecendo o que deixara para trás. Avançando. De São Vicente saíram os homens e mulheres que, abrindo clareiras, fizeram brotar povoados nos sertões. E depois vilas, urdindo uma extensa rede de cidades. Como a meada crua que se fia, estes brasileiros foram tecendo os fios de uma grande nação. Colorindo-a com o branco, o negro e o amarelo dos povos de todo o mundo. Somos todos paulistas! Não dos quatrocentos anos de São Paulo, mas dos quinhentos anos do Brasil. É significativo as comemorações do V Centenário em São Paulo se iniciem nesta cidade, que é a matriz de todas as cidades brasileiras. E que isto se dê em janeiro – que além de ser o mês da sua fundação, é o primeiro do nosso calendário. Janeiro, cujo nome deriva de Jano – a divindade romana das portas, das passagens, e por esta razão, da transformação. O deus das duas faces opostas: uma voltada para frente, a outra para trás; uma olhando o passado, a outra apontando o futuro. À sua semelhança, no momento em que celebramos nossa história, é o futuro que devemos divisar. Porque o que se anuncia é alvissareiro. Tudo indica que o PIB do país deverá crescer 4%, neste ano 2000. Estima-se que a inflação caia para 6% e que a balança comercial tenha um superávit de US$ 5 bilhões. Por São Vicente começou o desenvolvimento de São Paulo e do Brasil. Que ela seja, então, mais uma vez o marco inicial de um novo ciclo de prosperidade. Mas que não seja apenas isto. Pois, com a eleição à Câmara, ainda em 1532, nela nasceu a democracia política em nosso país e em toda a América Latina. Nela encontraram expressão, pela primeira vez, o Judiciário e o Legislativo. Que parta, então, daqui, o clamor da justiça e da democracia sociais. Porque não é possível abandonar os sonhos dos que no Brasil buscaram construir um novo mundo, negando a enorme massa dos seus descendentes os benefícios da sociedade moderna. É urgente resgatar a dívida social e os “homens bons” gravados por ela. Após 319 anos, reúnem-se em São Vicente os poderes Judiciário, Legislativo e Executivo. A antiga vila retoma, de fato, a condição de Capital. Que isto nos alerte de que o Brasil não pode – e nem seu povo merece – aguardar mais quinhentos anos para que se universalizem o desenvolvimento, o bem estar, o conhecimento. É preciso agir, viver desperto esse sonho urgente, para que a névoa dos tempos não o cubra de sombras e o vele, desfigurando a esperança.

Que voltemos ao Planalto com a boa nova deste compromisso.

Trechos do discurso proferido em Santos, no dia 16 de janeiro de 1979, durante homenagem realizada no auditório do Cine Independência, no Gonzaga. A data marcou o retorno de Covas à política após os 10 anos de cassação impostos pelo AI-5:

“Eu devia começar agradecendo, mas se eu agradecesse, não teria entendido o significado dessa festa. Caminhar é preciso, viver não é preciso. Mesmo as grandes corridas são formadas por uma sucessão de passos. Não vamos mais pedir democracia. Vamos fazer democracia. Hoje, existem muitos falando por poucos. Reafirmo hoje, meu compromisso com as instituições. Com o Poder Legislativo, a real expressão do sentimento democrático brasileiro. Com o Poder Legislativo, que eu aprendi a amar. Nós não queremos passar do autoritarismo para uma democracia de elites.”

“(…) Reafirmo meu compromisso com o Poder Judiciário. Enquanto a lei é a justiça dos homens, a justiça é a lei de Deus. Quero ver a lei, como instrumento de defesa do fraco contra o forte. Reafirmo meu compromisso com o Poder Judiciário porque devo proclamar e repetir que a maior, a suprema subversão, não é pedir justiça para os humildes, mas é calar ante qualquer injustiça.”

“(…) Reafirmo o meu compromisso com o movimento sindical, que não deseja hoje, apenas um aumento de salário, que reconhece a classe trabalhadora, que não aceita mais ser mero objeto, e quer ser agente da história. Temos que admitir a crítica da classe sindical não apenas porque somos um agrupamento que, ao contrário dos ditatoriais, respeita a crítica alheia, mas, sobretudo, porque ela é a expressão da aspiração do agrupamento social que representa.”

“(…) Reafirmo meu compromisso com a universidade. A universidade que ensine. Sobretudo aos jovens, que eles têm a tarefa de construir uma sociedade. Isso não lhes pode ser negado, tem que lhes ser exigido, tem que se devolver à universidade o seu papel fundamental, aquele que cada sociedade tem quando organiza com fé, com pólo, como fulcro, como ponto de origem de discussão e de debate ideal, da sociedade que se pretende construir.”

“(…) É preciso, em nome do compromisso com o próprio vernáculo, que se afirme alto e bom som, que se a ausência da autoridade se chama anarquia, a autoridade em excesso, se chama ditadura. A democracia é exatamente a autoridade delegada, consentida, aceita, transferia e, portanto, há de sê-lo sempre, por nenhum segmento em particular, mas pela sociedade como um todo, com a participação de cada um dos seus componentes, independentemente da humildade, que na aparência representem.”

Íntegra do discurso proferido por Mário Covas, em 12 de dezembro de 1968, na véspera da decretação do Ato Institucional número 5 (AI-5).

Como líder da oposição ao regime militar, Covas fez a defesa da democracia e do Parlamento na histórica sessão da Câmara que antecedeu a edição do AI-5. Na noite do dia 13 de dezembro de 1968, num dos momentos mais repressivos do regime militar, o presidente Costa e Silva, fecha o Parlamento e decreta o Ato Institucional N.º 5 (AI-5). E assim restabelece o poder presidencial de cassar mandatos, suspender direitos políticos, demitir e aposentar juízes e funcionários, além de acabar com a garantia do habeas-corpus e de ampliar e endurecer a repressão policial e militar. O ato teve origem num discurso do então deputado federal Márcio Moreira Alves (MDB, da Guanabara) na Câmara dos Deputados, no dia 3 de setembro, convocando a população a boicotar a parada militar do dia 7. O governo, sentindo-se ofendido, solicitou licença ao Congresso para processá-lo. O pedido foi rejeitado numa longa sessão da Câmara, dando pretexto para que o general Costa e Silva baixasse o AI-5. Outros 12 atos institucionais complementares são decretados e passam a constituir o núcleo da legislação do regime militar Na época, Mário Covas era líder do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) na Câmara Federal, partido de oposição ao regime iniciado com o golpe de 1964. Na sessão do dia 12 que antecedeu ao AI-5, Covas fez uma vigorosa defesa da imunidade parlamentar de Márcio Moreira Alves. ‘Creio no regime democrático, que não se confunde com a anarquia, mas que em instante algum possa rotular ou mascarar a tirania’, disse Covas em histórico discurso que fez em nome da bancada, cujos 127 deputados votaram contra a licença. ‘Caímos, mas o Congresso caiu de pé’, lembra Covas. As notas taquigráficas dos discursos e debates nunca foram registradas nos Anais da Câmara e só foram resgatadas 32 anos depois, em maio do ano passado. Esta é a íntegra do discurso de Mário Covas:

O SR MÁRIO COVAS (Como Líder – Sem revisão do orador) – Sr. Presidente, permita V.Exa. e meus pares que eu reivindique, inicialmente, um privilégio singular: o de despir–me da roupagem vistosa da liderança transitória, com que companheiros de partido me honraram, para falar na condição de membro desta Casa, sem outra representação senão outorga oferecida por aqueles que para cá me enviaram. Será, talvez, um desvio regimental concedido, entretanto, plenamente compreensível, já que a causa que somos obrigados a apreciar sobrepaira, superpõe-se às próprias agremiações partidárias. Em sua análise, o coletivo domina o individual, o institucional supera o humano, a impessoalidade há de ser o traço marcante, eis que, hoje, esta Casa está sendo submetida a julgamento. Recolhida ao banco dos réus, aguarda o veredicto que será exarado pelos próprios ocupantes.

Discute-se validade de uma das coisas mais caras prerrogativas, instrumento essencial de seu funcionamento como poder, que é a inviolabilidade. Impugna-se seu caráter absoluto, impondo-se-lhe restrições que a transformariam em princípio abstrato. Intenta-se, pelo dúbio caminho do transitório que somos nós, alienar algo que, por ser propriedade da instituição, é permanente. Contesta-se, sob o império da razão política, uma prerrogativa da qual não temos a o direito de abdicar, porque, vinculada à tradição, à vida e ao funcionamento do Parlamento, ele pertence, e não aos parlamentares. Para isto, investem contra a Constituição exatamente aqueles que proclamam a sua excelência que exaltam suas virtudes e que sustentam a sua imutabilidade. Há alguns anos, Sr. Presidente, as atenções da Nação brasileira eram convocados com o envio à Câmara dos Deputados de um pedido de licença para processar um parlamentar, sob a acusação de tomar público documento considerado secreto.

Durante a discussão do pedido, o acusado, em longo discurso, inseriu estas considerações: ‘Um deputado converteu-se, por decisão do Governo da República, no teste decisivo do funcionamento das instituições democráticas do Brasil’. Hoje, em episódio dotado de igual grau de emotividade, com semelhante dose de expectativa e com idêntico teor da ressonância, as instituições democráticas são postas à prova, testadas em sua fortaleza, pesquisadas em sua soberania, percorridas em sua independência. A acusação é o crime de injúria a uma instituição – as forças armadas. A arma, a palavra. O instante: o dia em que atingiu o clímax, a alta tensão emotiva emergente dos episódios relacionados com a invasão da Universidade de Brasília. Creio, Sr. Presidente, ser necessário em exame do problema, ainda que dentro das limitações do tempo regimental, sob vários aspectos. O primeiro deles é o jurídico, evidentemente. Diria, entretanto, sem pretender escandalizar, ser ocioso o enfoque sob tal prisma, não apenas por faltarem ao orador os conhecimentos requeridos para tanto, não apoiado como, sobretudo, porque tão copiosas, irrespondíveis foram astorrentosas argumentações contrárias à concessão da licença nesta Casa exibidas que se exauriu a doutrina de forma cabal e irretorquível. E, não fora a cultura e os dotes oratórias e retóricas de que são portadores os que por esta tribuna ou pela qual Comissão de Constituição e Justiça desfilaram seus inesgotáveis conhecimentos, não fora o brilho e tenhamos corrido o risco de transformar este debate num fastidioso monólogo, a ausência de defensores para sustentar a validade jurídica da concessão da licença.

Por mais que recorra à memória, e mesmo com o risco de involuntariamente cometer omissões, foge-me à lembrança a presença de defensores da concessão. Não que lhes faltem recursos intelectuais. Pelo contrário. É a própria debilidade da tese, é o próprio absurdo da pretensão que lhes anula os argumentos, lhes minimiza a presunção, lhes condicionam a formulação jurídica. Há uma constante neste problema, e o desenrolar dos acontecimentos o evidencia. Muitos tentam justificar o voto; outro pleiteiam a validade da tese, creio, entretanto, que em todo o elenco de autoridade, em todo o rol de fontes citadas, um nome foi esquecido. As razões desconheço. Porém, minha condição de engenheiro certamente me absolverá, se, inspirando-me em sua lição, a tomar para guia e orientação. Trata-se do atual ocupante do Ministério da Justiça, o Dr. Luiz Antonio da Gama e Silva.

Leio-lhe um parecer a respeito deste problema; e este parecer está exarado num outro processo, em curso nesta Casa, em que solicita a licença para processar o Deputado Hermano Alves. Eis S.Exa. em seu oficio ao Procurador da Justiça Militar ‘Realmente os artigos publicados pelo citado parlamentar configura, indubitavelmente, violações dos preceitos expressos nos artigos 14, etc, do Decreto de Lei 314, porque: a) por sua falsidade, tendenciosa e deturpação pões em perigo o bom nome, a autoridade e o prestígio do Brasil. b) Constituem atos destinados à guerra revolucionária ou subversiva c) ofendem a honra e a dignidade do Exo. Sr. Presidente da República diretamente ou através de seus Ministros de Estado e Militares d) incitam, publicamente, a subversão da ordem política e social e animosidade entre as instituições civis e as Forças Armadas. Mais adiante, conclui S. Exa, de forma límpida e cristalina a orientar-nos no atual problema. No tocante, porém, aos discursos proferidos na tribuna da Câmara dos Deputados, não se afigura, in casu, exista qualquer delito, diante da indenidade assegurada do Art. 34, caput, da Constituição, e porque o abuso do direito político praticado, sem dúvida, pelo incontinente Deputado não a tenta contra a ordem democrática nem viso à pratica de corrupção, e somente quando o abuso do direito tende a esses objetivos ou a qualquer deles, se justifica a medida prevista no art. 151 da Lei Maior (Palmas) Creio, Sr. Presidente, creio, Srs. Deputados, que a frente poderá ser contestada. Eu entretanto me auto-absoluto, porque, sendo engenheiro, acho inteiramente válido consultar a figura do Ministro a Justiça neste episódio, desta natureza. Mas, Sr. Presidente, ouço sustentar que não só o argumento jurídico teria razões para este procedimento. Aqui e ali ouço que, ao analisar o problema sob o ângulo político, diferente será o comportamento de cada um de nós. Ainda aí, sustento eu, o individual não pode prevalecer sobre as prerrogativas da Instituição. Um Poder soberano não delega, não transfere, é ele próprio Juiz de seus atos. Há de ter a independência e a grandeza de manter essa condição inalienável. E o Poder Legislativo, exatamente para reservar-se essa condição. sabiamente estabeleceu limitações regimentais para a inviolabilidade, fixando o Poder de Polícia pelo próprio órgão diretor da Casa. Ora, sendo o Legislativo, por definição constitucional, um Poder independente, juiz, portanto, de seus próprios atos, e dispondo de instrumental necessário ao exercício dessa competência, infere-se uma conclusão iniludível: concedendo a licença, o Poder Legislativo se estará autocondenando, pelo crime de omissão. Mas, Sr. Presidente, haveria aqueles que sustentariam que seria possível vislumbrar razões de natureza moral ou ética a justificarem a concessão. Aos que assim se resguardam, conveniente seria lembrar que, de 1946 a esta data, dezenas de pedidos de licença foram encaminhados a esta Casa para processar parlamentares. Várias acusações formuladas, capituladas nos mais variados artigos do Código Penal. Entretanto, mesmo em ocasiões em que o Deputado abria mão de suas franquias, solicitando mesmo a concessão, a Câmara invariavelmente adotou idêntica conduta – a negativa – sustentada por um mesmo princípio: a imunidade parlamentar. Agora, acusa-se um Deputado de pretenso crime político. Não vejo como, moralmente, se possa sustentar a concessão, sem que a Câmara incida numa mesquinha exibição de intolerância e incoerência, desnudando-se, em vista dos precedentes, num farisaísmo abominável, são insuficientes os exemplos da nossa tradição. Ater-me-ei a apenas dois exemplos, legados por outros povos. É da ‘Jurisprudência Parlamentar’, de Frederico Morhoff – autorização para instaurar processo contra Deputados, página 346: ‘Autorização para instaurar processo contra Deputado Dias Laura pelo crime previsto no art. 290 do Código Penal, modificado pelo art. 2 da lei 1317, de 11 de novembro de 1947. (Menosprezo às forças armadas do Estado).’ A Câmara, chamada a decidir, acolheu o parecer da Comissão e não concedeu o pedido de autorização para processar. Página 359: ‘Autorização para processar o Deputado D’amico pelo crime de que trata o art. 272 do Código Penal (propaganda e apologia subversiva ou antinacional).’

Eis ai dois exemplos legados pelo Parlamento italiano em casos específicos. As invectivas contra instituições, contra as Forças Armadas do Estado não encontraram, por parte daquele Parlamento, a licença para processar o Deputado. Porém, Sr. Presidente, creio que o enfoque ético nos oferece ainda outro tema para nossa mediação. Tem o Poder Legislativo o direito de transferir a outro Poder um problema que, surgindo no seu âmbito, da sua competência, o colocará em confronto com outros poderes e instituições? É possível que o faça. Mas, neste instante, já não será um Poder. Seus componentes já não existem mais exercerão a função pública, mas terão sido transformados em funcionários públicos. Resta-nos, Sr. Presidente, o argumento dos simplistas: trata-se de uma exigência. As Forças Armadas impõem uma reparação, atingidas que foram em seus brios. Se esta afirmação fosse verdadeira – o que contexto – eu diria que ela apresenta uma deformação originária: não é possível desagravar uma instituição pelo caminho inviável do desrespeito a um Poder. (Muito bem) Para que tenha significação e validade, a manifestação de apreço desta Casa ou de qualquer dos seus membros a qualquer instituição, necessário se faz que ela se auto-respeite. (Muito bem) Que conceito se faria de um chefe de família que, para exaltar as virtudes de seu vizinho, aviltasse o procedimento de seus filhos? O elogio, sob o império da subserviência, transforma-se em bajulação. (Palmas) Seu valor está na dimensão moral e na autoridade de que de quem o manifeste. Mas, Sr. Presidente, – e aí reside o motivo de minha contestação inicial – tenho convicções muito fortes a negar essa afirmação. Posso invocar em meu favor a prova documental, o testemunho idôneo ou o retrospecto histórico. Como prova testemunhal, leio o teor do oficio do Ministério do Exército, solicitando as providências legais.

Diz S.Exa.: ‘O Deputado Federal Márcio Moreira Alves, eu mesmo de 2 do corrente, falando a respeito dos lamentáveis e tristes acontecimentos ocorridos na Universidade de Brasília, no seu legítimo direito de adversário do Governo, formulou, em termos textuais, a seguinte pergunta.’ Mais adiante: ‘O mesmo Deputado, ainda sob o clima emocional pelos fatos gerados, antes mesmo que fossem apuradas as causas e os responsáveis, assim se pronunciou:’ Prosseguindo: ‘Embora os referidos conceitos, de caráter e de responsabilidade pessoal do Deputado em apreço, no uso da liberdade que lhe é assegurada pelo regime instituído com a revolução de março, não exprimam o pensamento da Câmara mais preservativo do povo brasileiro, na sua dignidade intangível e na respeitabilidade do seu próprio decoro, é de considerar-se a ressonância com que eles ecoam no seio do Exército’. E finaliza: ‘A despeito da gravidade evidente das ofensas dirigidos pelo Deputado Márcio Moreira Alves e do sentimento de repulsa com que elas ainda mais uniram os militares, como integrantes de uma instituição a que tanto já deve a democracia brasileira, o Exército continua empenhado em contê-las dentro da disciplina e da serenidade das suas atitudes, obediente ao Poder Civil e confiante nas providências que V.Exa. julgue devam ser adotadas’.

Se preferirem o testemunho idôneo, dir-lhes-ei que ao longo deste episódio em contato não apenas com civis de todas as categorias, como com militares de variadas patentes, tenho ouvido insistente e ansiosamente repetida a afirmação de que não sobrarão outras oportunidades para que o Poder Legislativo manifeste sua independência. É um imperativo para que sua sobrevivência, ainda que risco houvesse, que preserve suas prerrogativas, que resguarda sua majestade, que reiter sua soberania. Porém se isso ainda não bastasse, invoco o retrospecto histórico. Como acreditar que as Forças Armadas brasileiras que foram defender em nome do povo brasileiro, em solo estrangeiro, a liberdade e a democracia no mundo, colocassem como imperativo de sua sobrevivência o sacrifício da liberdade e da democracia no Brasil? (Palmas). Eu, Sr. Presidente, por formação e por índole, um homem que fundamentalmente crê. Desejo morrer réu do crime da boa fé, antes que portador do pecado da desconfiança. Creio na Justiça, cujo sentimento, na excelsa lição de Afonso Arinos, é na noção de limitação de Poder. Limitação bitolada por dois extremos: sua contenção para que não na prepotência, e seu plano exercício para que não se despenhe na omissão. Creio no povo, anônimo e coletivo, com todos os seus contrastes, desde a febre criadora à mansidão paciente. Creio ser desse amálgama, dessa fusão de lamas e emoções, que emana não apenas do Poder, mas a própria sabedoria. E nele crendo, não posso desacreditar de seus delegados. Creio na palavra ainda quando viril ou injusta, porque acredito na força das idéias e no diálogo que é seu livre embate. Creio no regime democrático, que não se confunde com a anarquia , mas que em instante algum possa rotular ou mascarar a tirania. Creio no Parlamento, ainda que com suas demisias e fraquezas, que só desaparecerão se o sustentarmos livre, soberano e independente. Creio na liberdade, este vínculo entre o homem e a eternidade, essa condição indispensável para situar o ser à imagem e semelhança e seu criador. Creio, Sr. Presidente, e esta crença mais se consolidou pelas últimas lições que recebi, pois nunca é tarde para aprender, na honra, esse atributo indelegável, transferível por ser propriedade divina. Porque em tudo isso creio, Sr. Presidente, e protegido pelo resguardo de minhas palavras iniciais, quero declarar minha firme crença de que, hoje, o Poder Legislativo será absolvido. E a altitude dessa tribuna, da majestade desta Mesa, da altivez desta plenário, as vozes do gênio do Direito e da Deusa da Justiça podem ser ouvidas em seu patético apelo: ‘Não permitais que um delito impossível possa transformar-se no funeral da Democracia, no aniquilamento de um Poder e no cântico lúgubre das liberdades perdidas. (Muito bem. Palmas) O orador é cumprimentado.

18 de Março de 1987

Voz do locutor: Um grupo de amigos do senador Mario Covas tomou a iniciativa de divulgar o seu histórico pronunciamento quando da votação para a escolha do líder da bancada do PMDB na Assembleia Nacional Constituinte, proferido em 18 de março de 1987. A repercussão que seu improviso recebeu por parte de toda a imprensa falada e escrita em âmbito nacional apontou a todos que sua reprodução seria a melhor forma de homenagear esta vitória. Com a palavra, o nobre constituinte senador Mario Covas:

Covas: Senhores presidentes, do PMDB, da Assembleia Nacional Constituinte, da Câmara dos Deputados, deputado Ulysses Guimarães. Senhor secretário-geral do partido, deputado Milton Reis, senhor secretário e deputado Euclides Calvo, meu prezado companheiro e senador e líder deputado Fernando Henrique Cardoso, líder da bancada do Senado. Meu prezado deputado Luís Henrique, líder da Câmara dos Deputados e hoje para orgulho e privilégio meu concorrente nesta disputa. Meus prezados congressistas, sejam eles originários da Câmara ou do Senado, mas ainda assim igualados por algo que está acima de cada um de nós e que é a única fonte legítima de Poder que é a vontade popular, companheiros e companheiras: Permita senhor presidente, vossa excelência em particular, que conhece esse seu companheiro, e que sabe muito mais na intimidade do que de público, que às vezes chega a ser rude nas suas afirmações. Mas que tem procurado pautar a sua vida, suas atitudes, a sua conduta por uma lealdade que atingindo as pessoas, atinge também as instituições. Permita que neste instante, seu presidente, eu inicie essas palavras declarando uma estranheza e associando a ela um certo inconformismo. Exatamente no dia 1º de fevereiro instalara-se como decorrência da vontade popular a Assembleia Nacional Constituinte. No dia 2, os constituintes tiveram o privilégio de fazer Ulysses Guimarães o Presidente da Assembleia Nacional Constituinte. Na terça-feira, dia 3, o presidente brindou a Casa com o seu discurso de posse e a seguir nos leu, ou determinou que o líder no Senado lê-se, aquilo que por vontade das lideranças dos vários partidos, aparecia como um projeto de regulamento a vigorar até que o boneco do regimento interno que então também se apresentava fosse votado por essa casa. Por demanda do próprio plenário, o presidente deferiu na quarta-feira, dia 4, para que emendas fossem apresentadas. E na quinta-feira, dia 5, depois de uma sessão frustrada no período da tarde, à noite votou-se o regimento, ou melhor, dizendo, algo denominado Resolução nº 1 da Assembleia Nacional Constituinte, a prevalecer até a votação do Regimento. No dia subsequente, isto é na sexta-feira, dia 6 de fevereiro, portanto exatamente um mês e doze dias depois, aprovava-se a redação final daquele documento. E aquele documento dizia do artigo 5º o seguinte: as representações partidárias terão líderes e vice-líderes. Parágrafo 1º – A indicação dos líderes será feita em documento encaminhado a presidência pelas bancadas dos partidos políticos com assento na Assembleia Nacional Constituinte. Permita senhor presidente, com a lealdade com a qual eu sempre lhe falei, eu manifesto aqui a minha estranheza e até diria o meu inconformismo, de tão somente um mês e doze dias depois, nós enquanto partido majoritário da Assembleia Nacional Constituinte, cumprirmos algo que a própria Assembleia Nacional Constituinte, na dimensão da sua soberania nos definiu como tarefa imediata. É lógico que isso trouxe alguns problemas, em particular aqueles que, não me incluo porque não considero isso nenhum tipo de constrangimento, aqueles que se consideravam como eventuais postulantes ao cargo de liderança. E que puderam assistir durante este período, com muita honra para mim e para todos nós, mas ainda assim há o arrepio do que estava decidido, essa liderança por inexistir foi preenchida. Ocupada, e com isso se criando uma situação de fato. Graças a Deus que tenha sido feito por figuras da dimensão do líder do Senado e do líder na Câmara, Luiz Henrique. Mas, permita que inicie as minhas palavras, embora preferisse não fazê-lo. Falando com a franqueza que normalmente ocorre entre dois interlocutores que pautam as suas relações pela amizade, e comecem consignando esta minha estranheza. Companheiros constituintes, eu tenho para mim e tenho sustentado esta tese de forma corrente, a mim me parece que a liderança da Constituinte, tem significado que ela exista. E não foi sem razão que a própria Constituinte definiu no seu regimento, ou no seu regulamento inicial, e posteriormente voltou a traduzi-lo no regimento definitivo. Mas, que essa liderança na Constituinte tem que ser balizada, tem que ser parametrizada segundo outros e diferentes valores do que aqueles que balizam e parametrizam a liderança da Câmara e do Senado. Num caso temos o cotidiano. Num caso temos um divisor de águas balizado pela dicotomia governo e oposição. No outro caso temos o permanente e, portanto, o permanente não pode ser balizado por nada do que seja provisório e eventual. A luta na Câmara e no Senado há de necessariamente traduzir, até pelo seu determinismo histórico, este permanente evoluir que se chama situação de oposição. É ali que a luta governo e oposição se traduz de forma permanente e sistemática. Já na Constituinte, senhor presidente, não me diga que o objetivo é de construir algo permanente. E eu tenho para mim, e quero crer que cada constituinte ambicione o mesmo objeto, que esta Constituinte produzirá uma Constituição que a de ser mais permanente do que o período de duração de um governo. E portanto, ela não pode ter a sua construção herigida sob parâmetros que a tornariam um instrumento, balizado por um fato temporário. Há alguns dias atrás, declarava à imprensa, que não via como seria possível a presença do que se chama aliança democrática dentro do processo de elaboração da Constituinte. E com surpresa alguns homens de imprensa me perguntavam por quê? Porque eu vejo a presença da aliança democrática, fato episódico, ocorrido em função da construção da Nova República. Ocorrido a partir da sustentação do governo existente. Mas, que necessariamente, por se tratarem de dois partidos de orientação doutrinária, filosófica, programática inteiramente diversa, e que portanto, necessariamente a nível da Constituinte teriam que ter seu encaminhamento separado. Vejo, senhor presidente, que a liderança a nível da Constituinte há de ser uma liderança independente do governo. Isso quer dizer, por acaso, que aquele que for escolhido líder deva se despir da sua roupagem de peemedebista, partido que necessariamente, eu não ponho dúvida a este respeito, sustenta e tem compromissos com o governo. Não, quer dizer tão somente que a elaboração da Constituição deva seguir parâmetros que são absolutamente diversos do que os parâmetros a prevalecer na Câmara e no Senado. Vou mais adiante, não sei se deveria usar o argumento, tão direto ele é. Mas, a rigor, parece-me inclusive inconveniente que quem exercite a liderança da Constituinte tenha assento no conselho Político do Governo. A mim me parece, senhor presidente, na medida em que vi discutindo longamente, se eventualmente aceitaria, até mesmo, alterar a legislação eleitoral para que a Constituinte tivessem acesso candidatos avulsos. E eu aceitaria que o cimento a reunir pessoas dentro da Constituinte fosse então as alianças de natureza pessoal. Mas, na medida em que isso não foi possível, ou foi rejeitado pela maioria, nós todos aqui tivemos acesso, através de um caminho que foi um caminho político. E, portanto, se há dentro da Constituinte algo a nos unir, o cimento a nos organizar, esse cimento é necessariamente o Partido político. É este o sentido doutrinário da candidatura que sustento. É por esta razão e colocando-me neste nível de dependência, reafirmando enquanto pessoa, enquanto senador, enquanto majoritário, enquanto Constituinte que não ponho em dúvida no papel que o PMBD tem a desempenhar em relação a Nova República. Em relação aos compromissos populares que este governo necessariamente a de cumprir. Seria pouco senhores. Os companheiros acabam de ver passar por essa tribuna, sem novidade para ninguém, essa figura extraordinária de liderança, o deputado Luiz Henrique, a quem desde logo deixo consignado que se for escolhido líder terá neste companheiro, neste Constituinte alguém com quem contará em qualquer circunstância e para qualquer hipótese. Mas, devo declarar que esta candidatura que nasce daquela conotação doutrinária tem um sentido político muito claro. Devo recordar senhor presidente, alguns episódios porque neste curto espaço de tempo já passamos nesta Assembleia Nacional Constituinte. E num primeiro instante uma bancada de cerca de 250 deputados, reunirem-se e decidirem, dando como referência inclusive o fato de que mais de 50% deles aqui estavam pela primeira vez, decidirem que a eleição para a mesa da Assembleia Nacional Constituinte deveria ser feita antes da eleição da mesa do Senado e da mesa da Câmara. E vi esta mesma Assembleia e esta mesma bancada perplexa diante do fato de que no dia subsequente, voltava atrás da sua decisão, diante de um fato concreto da eleição das mesas. Me surpreende, senhor presidente, e se estiver errado realmente não serei merecedor do voto dos companheiros, eu creio que havia algo a sustentar naquela decisão. Imaginar que os parlamentares, que os congressistas que aqui estavam reunidos apenas desejavam uma inversão na ordem, por mais significado que descem a expressão da Assembleia Nacional Constituinte quando tomaram a decisão seria percorrer superficialmente o conteúdo político dos homens e mulheres que aqui chegaram representando o povo brasileiro. Eu creio senhor presidente, que naquele instante se votava subj-acentemente, consciente ou inconscientemente, implícita ou explicitamente, em alguns outros valores. Se votava, senhor presidente, permita que o diga como companheiro que nutre por Vossa Excelência a maior admiração, se votava contra a concentração de poderes dentro do PMDB. Se votava contra essa posição dúbia do partido em relação ao governo. Se votava por uma afirmação de natureza política sim, mas se votava também pelo fato de que ninguém pela credencial que aqui trás ao chegar imagina que aqui possa ser um constituinte marginal. Votava-se pelo passado, afirmava-se pelo presente, mas, sobretudo assumia-se um compromisso pelo futuro. No dia seguinte, senhor presidente, iniciou-se uma longa e terrível discussão a respeito da soberania da Constituinte. Quero também deixar clara, claríssima a minha posição. Já é do conhecimento do Senado, do líder do Senado e daqueles que ele convocou para discutir a matéria. Estou entre aqueles que acham que soberania, como liberdade, não se discute. Não se escreve no regimento. Ou se a possui e se a exercita, ou realmente não se a possui. No instante em que se discute a soberania, o simples fato de discuti-la coloca em dúvida a sua existência. Não chequei aqui como jurista, até porque não o sou. Sou um engenheiro meio aposentado da sua atividade profissional. E, portanto, é nessa qualidade que falo. Aqui estou rigorosamente como político. E, portanto, como político o meu instinto político me diz que a Assembleia Nacional Constituinte é soberana, tudo pode. Mas, também o meu instinto político me afirma que se ela tudo pode, nem tudo ela deve. Pelo contrário, o que ela tem que fazer é usar essa soberania, exatamente para que seus objetivos sejam atingidos. Discussão impossível que haveria de terminar exatamente do jeito que terminou. Começa por discutir algo indiscutível, continua por afirmá-la, e termina por uma negociação que a nega. Mas, creio que naquele instante também, todos aqueles que como eu, sustentavam esta posição o faziam por uma razão adicional, além da mera discussão que está longe de ser mera, da soberania da Constituinte. Acho, que o faziam porque igualmente colocavam como problema a relação deste partido com o governo, a sua afirmação enquanto partido, a necessidade da sua discussão interna e até mesmo senhor presidente, coisa que em vinte anos eu que fui testemunha do nascimento deste partido, pensei que teria que fazer, a discussão da sua democratização interna. No meio de tudo isso estava presente o sentimento de cada congressista. Senhor presidente, não tenho direito, com a minha idade, avô de dois netos, tendo passado por esta casa, exercido a liderança com trinta e cinco anos de idade, numa circunstância difícil. Com o privilégio de ter liderado Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, tendo sido prefeito biônico da quarta cidade do mundo, e tendo sido eleito agora pela vontade do povo paulista, para a mais fundamental das tarefas políticas, o exercício da Constituinte. Não me posso dar ao luxo, senhor presidente, de não dizer o que penso. Certamente direi sempre muita coisa das coisas das quais discordarão. Mas, o que não posso é em a cada instante deixar de dizer o que eu penso. Porque isso acontece senhor presidente? Por que fomos obrigados a discutir a soberania, senhor presidente? Por que a rigor, no dia primeiro de fevereiro ou mais precisamente no dia 31 de janeiro, a bancada se reunia para inverter a votação? Por que a rigor, senhor presidente, a despeito de termos 305 Constituintes, aqui chegamos si quer com uma proposta concreta peemidebista para o regimento interno. Aqui chegamos se quer sem uma discussão prévia do que era nossa idéia de Constituinte e o que era nossa ideia de soberania. Aqui chegamos, senhor presidente, e estamos hoje. Depois, de termos votado o regimento interno, ainda sem saber se este partido é presidencialista ou parlamentarista. Senhor presidente, fiquei muito honrado pelas referências feitas a mim pelo deputado Luiz Henrique, credito a generosidade com que sempre age. Quero dizer, senhor presidente, que tenho conhecimento das dificuldades que se me antepõe para ocupar este cargo. Sou Senador muitos dizem e sou paulista outros afirmam. Eis aí duas características que eu não sei se são qualidades ou defeitos, mas das quais na realidade eu não posso me libertar. O povo me fez Senador, meus pais me fizeram paulista. Não se tratou de uma escolha própria. Mas, peço a Deus que em toda a minha vida política eu não seja excluído por ser portador destas duas qualificações. As houve instante senhor presidente, e isso me comove, que um companheiro se acercou de mim e disse, há algo que pesa sobre a sua reivindicação. Acabo de ouvir ele dizer que ela tem uma inspiração extracongressual com o objetivo de dividir o PMBD. Eu não tenho uma história política melhor do que a de ninguém. Mas, eu tenho uma história de lealdade a este partido e disputo com quem quer que seja. Eu vi ele nascer. Eu o vi crescer. Eu vi e apreendi com figuras extraordinárias com as quais aqui convivi. Como esta figura humana de dimensão profunda que se chama Martins Rodrigues, homem cuja vida decorreu exatamente percorrendo o caminho inverso do que percorrem as sociedades e a maioria dos políticos. As sociedades nascem estoicas e morrem epicuristas. Os homens nascem progressistas em geral e envelhecem conservadores. Vi Martins Rodrigues carregado por seus filhos e genros a portar uma bandeira de luta já em idade avançada, com uma dignidade e uma grandeza extraordinária. Vi homens como Edgar da Mata Machado e tive o privilégio e a honra de ter como vice-líder um destes homens que já encontrou a sintonia da sua verdade e que portanto não precisa do grito para transmitir o que pensa. Está em paz consigo próprio. Vi figuras como Pedroso Horta percorrer e escrever as últimas páginas da sua biografia saber por antecipação da sua morte, com gestos de profunda grandeza. Vi um homem negro chorar desta Tribuna, por não compreender que a violência tinha se abatido sobre ele. Ele, que se chamava Guerreiro Ramos, que a violência lhe cortará o pescoço de algo que menos do que a si pertencia ao povo. Vi homens cujos ossos são recobrados agora como Rubens Paiva. Mas, vi, sobretudo, senhor presidente, e faço questão de afirmá-lo hoje, vi, sobretudo entre todos estes homens, essa figura extraordinária que pela vontade do povo chegou a presidência da República. E com uma tal grandeza moral e política e sem se quer encostar a mão no Poder foi capaz de promover a dignidade, a verticalidade a este povo, que se chamou Tancredo Neves. Vi grandes figuras, mas vi um homem que como ninguém interpretou neste período e sintetizou neste período a resistência democrática. Vi esse homem em várias sagas, em verdadeiras epopeias. Vi enfrentar em Salvador patas de cavalos e dentadas de cachorro. Vi o sintetizar na figura da anti-candidatura toda a esperança de luta com que crescia esse povo. O vi sobretudo cunhar uma frase que ao longo do tempo e um gesto de afirmação: ‘navegar é preciso viver não é preciso’. Não seria decente de minha parte, senhor presidente, nem honesto a quem não pode escapar de ser honesto, sobretudo neste momento, deixar de dizer a Vossa Excelência, que discordo como já lhe disse pessoalmente de que ocupando Vossa Excelência a presidência da Assembleia Constituinte permanece simultaneamente na presidência do Partido. Não encontro a perseguir todos os quadros partidários alguém que tenha todas as qualificações que Vossa Excelência possui. Mas, não seria justo se eu não dissesse neste instante, que entre um homem mais capaz e um mais disponível, o mais disponível neste instante presta mais serviços a este partido. Por todas estas razões sou candidato a liderança da Constituinte. Ontem um companheiro me lembrava uma frase de Tancredo Neves, ele disse certa vez: ‘prestígio vem se protestar na hora das eleições’. As pessoas me perguntam por que em fase de uma eleição eventual, que como me favoreceu ontem, da mesma forma pode me desfavorecer amanhã, eu estaria arriscando tanto numa parada como esta? Em primeiro lugar porque não é desonra para ninguém perder uma eleição para alguém da dimensão de Luiz Henrique. Em segundo lugar, porque assim seria muito cômodo, pendurar num quadro na minha sala o diploma que recebi da Justiça eleitoral e daqui para frente negar-me a qualquer confronto. Exatamente por ter essa votação senhor presidente, e na defesa destas idéias e destes objetivos é que eu tenho que colocar em risco. É exatamente por isso, é exatamente porque o combate que vale a pena ser travado é o bom combate. Por isso, senhor presidente, eu deixo aqui na mão dos Congressistas a decisão e a interpretação de que este congressista com o vínculo que possui com este partido, com a sua direção e com todos os companheiros, desde logo afirma com absoluta e total convicção que seja qual for a decisão contará com este Senador como modesto soldado nesta luta do povo brasileiro.

Entrevistado: Mario Covas Junior Entrevistadores: Local: São Paulo – Incor – Instituto do Coração, na Sala de imprensa instalada no andar térreo do prédio 2 do Incor. Data: Quinta-feira, 30/11/2000 Duração: aprox. 30 minutos

Transcrição: Tiago Navarro Local e data: São Paulo de 11/04/2009 a 27/04/2007 Revisão: Raquel Freitas Local e data: São Paulo 27/04/2009

G – Boa Tarde.

R – Boa Tarde.

G – Tive de descer correndo ai para vir conversar um pouco com vocês para mostrar que estou mais longe do fim do que podem pensar. Desde o início do processo, nós temos tido uma conduta que reproduz o que vem acontecendo. Os médicos estão autorizados, mais do que isso, estimulados a contar as coisas tal qual elas são. Mas, parece que continuamos na prática de acreditar pouco na verdade. Então eu vou deixar a iniciativa com vocês, para vocês falarem, quem sabe ai ao longo do caminho surja alguma coisa que tenha alguma importância a falar. Se eu tiver alguns momentos de emoção acho que vocês serão capazes de compreender isso. De qualquer modo, vamos ver como é que a gente se salva disso. Já é a segunda vez que eu faço isso, então não esta muito ruim. Quem começa?

R- Janice do Jornal O Globo. O Senhor superou bem em 1998, a primeira cirurgia e a primeira pergunta da gente, que fica muito satisfeito de ter o senhor aqui é saber o que o senhor esta sentindo e como o senhor esta passando depois de uma semana da segunda cirurgia?

G- A recuperação da outra demorou muito mais tempo para recuperação do que esta. Na outra nós ficamos aqui, depois da operação, durante quatorze dias e até mesmo eu pedi para não sair porque era Natal e achei que saindo nessa data eu encontraria tanta gente que isso afinal mexeria com a sensibilidade da gente. Essa não. Ontem (dia 29), fez nove dias da operação, cirurgia que envolveu mais pontos do que aquela, envolveu uma parte do intestino, uma parte da bexiga…Na bexiga menos mas, de qualquer maneira, eu continuo tal qual da outra vez com um “cachorrinho” ao lado. (O Governador mostra a bolsa da sonda vesical). Mas eu acho que correu tudo tão bem, tão extraordinariamente bem, e de tal maneira a gente recebeu novamente uma solidariedade tão grande que é uma coisa quase inenarrável. Caminha tudo muito bem. Eu não tenho nenhuma solicitação pessoal no sentido de ir embora hoje, ir embora amanhã, ou depois de amanhã. Engraçado que da outra vez era para eu ir embora na véspera do Natal e eu pedi para ficar até depois. Há muito pouco que eu possa produzir na rua numa circunstância dessa. Por outro lado, ficando aqui é sempre um descanso, é receber um atendimento pronto. As camas são muito ruins, eu não aconselho a usá-las, o que aliás não é vantagem nenhuma porque todos os equipamentos hospitalares são muito ruins para o paciente, mas como a gente esta aqui pelo SUS, não dá nem para reclamar. Eu acho que as coisas correram bem, muito bem, a operação foi feita na Terça-feira, no segundo dia a gente andava pelo corredor e pelo quarto e, portanto, de lá para cá foi uma sucessão de melhoras. Se vocês me perguntarem se eu quero ir embora hoje, eu não quero, e se vocês me perguntarem se eu vou embora amanhã eu não sei. Eu vou embora o dia em que os médicos disserem para eu ir embora. Eu não discuto. Eu não discuto nenhum dos aspectos ligados à parte técnica, operacional, pois esse é um tema do qual eu não transito bem. Eu só entro com o corpo e, graças a Deus, não entro com a alma. Mais uma vez eu tenho tanto para agradecer para tanta gente que as palavras são difíceis de traduzir o que a gente sente. Alguém falou ai?

R – Governador gostaria de saber se com esses problemas que o senhor esta enfrentando, se o senhor tem acompanhado o noticiário os problemas do Estado? Que problemas tem chamado a atenção do senhor?

G – Tenho. Como é que chama aquilo que começa a pipocar em todos os lados?

R – Urticária…

G – Não que urticária nada, câncer dá em todo lugar. Como é que chamam isso?

R – Metástase…

G – Eu li que o Jornal de São Paulo publicou que eu tava com isso. Alias manchete de primeira página. Bem, não é bom a gente ler aquilo, sobretudo quando não é verdade. Mas tudo bem, o que é que vai se fazer? Faz parte do jogo. A mim em particular faz mais parte do jogo, porque além de estar passando por um “tramite” eu sou político, portanto, a gente tem que suportar certas coisas com uma certa estoicidade. Da qual os outros, normalmente, estão livres. Diga.

R – Em relação a outros assuntos, há algo que o senhor gostaria de falar especificamente?

G – Quais assuntos?

R – Política nacional.

G – Alguns sim. Porque diariamente eu leio clipping. Alias estou lendo até muito mais o clipping do que lia antes. Porque estou num estado ocioso que me permite fazer isso. Então quase que eu leio o clipping inteiro. Ainda hoje li o clipping inteiro. Você esta querendo se referir ao Hospital da Mulher? Se é faça a pergunta. Não. Então qual é o problema político que você quer perguntar?

R – A imprensa inteira, vários jornais, O Jornal do Brasil deu destaque, O Globo deu, O Cidade deu, de movimentação de possíveis candidatos para 2002, né? Praticamente todos os jornais na última semana trouxeram entrevistas e articulações em relação a esse assunto…

G – É inevitável isso. O tempo vai se extinguindo, portanto, a movimentação vai acontecendo. Não há muita novidade no setor, a novidade mais recente que talvez tenha havido foi a candidatura, do meu conhecimento, foi a candidatura do Pedro Simon, que é uma figura pela qual eu tenho muita admiração.

R – O senhor acha que esta faltando agressividade no PSDB nesse momento de iniciar uma articulação?

G – Você sabe que eu ouvi essa conversa há dois anos atrás quando eu fui candidato a governador? E esta sendo repetida por você agora nas mesmas palavras. Por que falta agressividade ao PSDB? O que falta ao PSDB que os outros têm? Não tem ganho a eleição em alguns lugares? Precisava ter ganho a eleição em outros lugares? Essa é a roda da vida, se não fosse assim não precisava de democracia. Senão o cara ganhava a eleição uma vez e ficava o resto da vida. É assim mesmo. Mudam, os atores são substituídos, embora o palco fique o mesmo. E, portanto, a coisa vai se sucedendo normalmente. Eu acho que no caso específico do meu partido os nomes não são diferentes daqueles que tem sido lembrados sempre. E, portanto, nós temos que, embora tenhamos outros nomes, e parece que alguns deles caminharam com mais rapidez. Até menos por força deles, quer dizer, não foi iniciativa deles fazer isso acontecer. Aqueles companheiros começam a falar nomes. Não falaram muito tempo no meu, não é porque eu tenha querido, pois se há alguém que faz dois anos que não seria candidato sou eu, portanto, meu nome foi lembrado durante muito tempo. Então, eu acho que PT, certamente, terá seu candidato. Uma novidade que eu também não sabia é que o Suplicy vai ser candidato a presidente e as demais forças não estão muito equacionadas ainda no ponto de vista se caminham sozinhas. Olha, eu tenho falado muito nas entrevistas que eu não acreditava que se mantivesse aquele status quo da eleição anterior. Isso pela razão mais óbvia do mundo, porque o momento eleitoral é o momento que os Partidos querem caminhar. E, portanto, eles caminham apresentado candidatos e tentando ganhar a eleição, isso é legitimo, não tem nada de extraordinário. Eu acho que a gente vai ter que fazer um longo caminho para chegar lá. Nós estamos há quase dois anos para eleição, então acho que tem muita coisa para rolar. Há eleições estaduais, concomitantes que são atraentes, são atrativas, são significativas e importantes, e, portanto, tudo isso vai acontecer concomitantemente. Não vi muita novidade naquilo que li do ponto de vista do quadro sucessório.

R – Governador, duas perguntas: primeiro, se o senhor conversou com o Presidente Fernando Henrique? E a segunda, o que move o senhor nessa luta? Porque o senhor esta vencendo uma batalha aqui no Hospital, mas ao mesmo tempo esta pedindo o livro-caixa do estado, esta chamando não sei quem para conversar, esta pedindo informação…

G – Que livro?

R – É arrecadação. O Fluxo de caixa…

G – Ah, o livro do Mino Carta? [Risos]

R – Não. O fluxo de caixa, Governador.

G – O Fluxo de Caixa, bom, mas eu não deixei de ser governador…

R – O que move o senhor nessa luta?

G – O que me move é tentar, no limite das minhas forças cumprir minha tarefa. Eu não estou insatisfeito com o fluxo de caixa não. [Risos]

R – Esta arrecadando mais Governador nesse dias que o senhor esta aqui?

G – Não que esteja arrecadando mais, mas como estamos num momento bom por fluxo de uma circunstância, onde nós temos as ações da receita, mas como uma lei que foi aprovada por todos os estados permitiu que se quitassem as dívidas com cinquenta por cento de desconto. Sobretudo em São Paulo deu um salto em quantidade muito significativa…

R – É assim que o senhor se recupera Governador? É esse o remédio do Senhor? Quer dizer, continuar governando o Estado de São Paulo?

G – [Pausa] Essa é uma pergunta de difícil resposta. Se eu te disser que sim eu já sou candidato [Risos]. Se eu te disser que não, não estaria dando importância para esse fato e eu dou uma tremenda importância para a esse fato. Tremenda importância. No dia que eu cheguei aqui, vocês me perdoem se isso me emocionar além da conta. Eu cruzei com uma senhora, um casal, razoavelmente jovem. Essa moça é de uma cidade do Rio de Janeiro, ela e o marido, o marido vinha fazer uma operação. Ela saiu do elevador, eu cruzei com ela, ai ela disse: “O senhor é o portador do meu primeiro voto da vida quando o senhor foi candidato a Presidente”. Uma coisa quase inusitada você receber uma declaração dessa no instante em que você esta entrando numa sala de operação. Depois ela, antes de ir embora, me deixou uma mensagem, [tosse] e eu vou ler para vocês, eu a recebi agora há pouco. [tosse] Ela me serve tanto que…o título é “Amigos”: “Um dia, uma pequena abertura apareceu num casulo. Um homem sentou e observou a borboleta por várias horas, conforme ela se esforçava para fazer com que seu corpo passasse através daquele pequeno buraco. Então parecia que ela havia parado de fazer qualquer progresso. Parecia que ela tinha ido o mais longe que podia. Não conseguia avançar mais, então o homem [choro e tosse do Governador] decidiu ajudar a borboleta. Pegou uma tesoura e cortou o restante do casulo, a borboleta, então, saiu facilmente, mas seu corpo estava murcho e era pequeno e tinha as asas amassadas. O homem continuou a observá-la, porque esperava que a qualquer momento as asas dela se abrissem e esticassem para serem capazes de suportar o corpo que iria se afirmar a tempo, nada aconteceu na verdade. A rigor, a borboleta passou o resto de sua vida rastejando com o corpo murcho e asas encolhidas. Ela nunca foi capaz de voar. O que o homem em sua gentileza e vontade de ajudar não compreendia era que o casulo apertado e o esforço necessário da borboleta para passar através da pequena abertura era o modo pelo qual Deus fazia com que o fluido do corpo da borboleta fosse para suas asas, de forma que ela estaria pronta para voar uma vez que estivesse livre do casulo. Algumas vezes o esforço [choro do Governador] é justamente o que precisamos em nossa vida. Se Deus permitisse passar através de nossas vidas sem quaisquer obstáculos, Ele nos deixaria aleijados. Nós não iríamos ser tão fortes como poderíamos ter sido [choro do governador]. Nós nunca poderíamos voar. Deus deu-me dificuldades para fazer-me forte. Eu pedi sabedoria, e Deus deu-me problemas para resolver. Eu pedi prosperidade, e Deus deu-me cérebro e músculos para trabalhar. Eu pedi coragem, e Deus deu-me obstáculo para superar[choro do Governador]. Eu pedi amor, Deus deu-me pessoas com problemas para ajudar. Eu pedi favores, e Deus deu-me oportunidades. Engraçado, eu não recebi nada do que pedi, mas recebi tudo o que precisava”.[Choro do Governador]

G – Reconhecendo isso, vou correr atrás da vida. Essa operação tem uma coisa que mexeu comigo na cabeça, que acabou acontecendo. Como é que se chama esse trem? Hein!? Esse trem que eu fiquei? Como é que chama? Como é? (O médico David Uip responde: Colostomia) Colostomia. Bem eu tinha medo disso, mexeu muito comigo, embora eu nunca nem tenha comentado nem mesmo com minha esposa. Mas como é que eu posso reclamar disso se Deus me deu a vida? E quem ganha o principal, como pode discutir o acessório? [choro do Governador] Essas lágrimas não são de dor não, mas elas não são muito próprias de mim, eu sou muito mais das gritarias do que das lágrimas. De qualquer modo, tudo tem sido tão bom para mim, que o meu grau de dívida com essa sociedade chamada sociedade humana è muito grande para que eu me mantenha imóvel e não venha a permanentemente tentar lutar. Já errei muitas vezes, vou continuar errando, mas eu não posso deixar de reconhecer que mesmo sem ter pedido, eu recebi tudo o que precisava: tenho amigos, tenho bons médicos, tenho uma família que me estimula. Tive a sustentação divina, tive um atendimento médico e hospitalar de excepcional qualidade, onde a presença do povo esteve sempre presente. Sobretudo, tive uma imensa multidão humana que de todas as formas me estimulou. Morre-se todo dia, por que fazer isso comigo então? Esse é e só vai ser um obstáculo adicional. A única coisa que eu posso pedir a Deus é que eu seja capaz de ser, justificar tudo aquilo que eu recebi. Não há como pagar isso, não há como você andar nas ruas e as pessoas te abraçarem, desejarem do teu lado, contra você, parceiros, adversários, mas desejarem dar o estímulo do seu calor humano. Me desculpe se eu descambei, eu deveria ter feito isso lá do quarto, porque teria gasto as lágrimas e não precisaria ter feito aqui, mas afinal se o homem não sabe chorar, qual é a outra forma mais digna de demonstrar seus sentimentos? Então, se vocês acham que eu já aborreci vocês bastante nós podemos cair fora. Se vocês me perguntarem que dia eu vou embora, eu não sei, eu tenho impressão até que acabam me mandando embora antes do que eu esperava. Também não sei dizer se vou aceitar a oferta ou não, porque eu acho que no final se eu ganhei tudo isso eu tenho que fazer minha parte na preservação disso. Vamos esperar que a gente possa continuar fazendo isso. Há convívios tão bons, eu só posso falar uma coisa: se não fosse casado eu estava perdido. Vocês todos sabem quantas vezes eu saio do plano, quantas vezes eu saio da linha reta e parto para discussões, as vezes até acima da agressividade necessária, mas isso também faz parte da vida, a gente faz isso porque a gente tem sentimentos. Então esta ai o pouco que eu posso dizer para vocês nesse instante. Daqui desse lado esta o Davi que acaba de ser vítima de uma sórdida acusação ligada ao Hospital da Mulher. Aqui esta a Senhora Florinda, que ocasionalmente é a minha esposa [Risos], diga-se de passagem, a melhor parte da família. Aqui esta o Wadih Hueb que é médico do coração. E aqui esta meu cachorro com quem eu vou ter de conviver até o instante que puder tirar a sonda da bexiga que ainda tem. Eu espero, não tive um sofrimento atroz, graças a Deus, não foi fácil, mas não foi um sofrimento atroz. Tive dor, tive medo, tive tudo aquilo que um homem normal tem. Mas não tive um sofrimento que se possa classificar de sofrimento atroz. Então é isso minha gente, se vocês quiserem acrescentar alguma coisa, como eu disse tome a iniciativa, porque quando vocês menos perceberem o cachorro já terá me levado lá para cima de volta.

Davi Uip – Esta ótimo, muito obrigado e uma boa tarde a todos.

Fontes:

Canal 21 – Plantão TV GLOBO – Plantão Rede TV – Jornal da TV TV Record – Jornal da Record 2° Edição

Normas adotadas na transcrição:

Alguns trechos da fala e das intervenções de terceiros não puderam ser completamente transcritos. Para identificar o Entrevistado e Entrevistador usamos: R – Repórter; Inicial do primeiro nome do entrevistado – G (de Governador Mario Covas).

Foram suprimidas expressões coloquiais e repetições de palavras seguidas que não interferem na compreensão da fala e nem significam enfatização de idéias.

Foram suprimidas intervenções do entrevistador durante a fala do entrevistado quando essas não interferem e nem adicionam novas idéias.

Termos ou expressões dúbios foram inseridos entre chaves para posterior confirmação

Quanto à sintaxe, em razão da transcrição literal, as concordâncias verbais quase sempre foram mantidas tais como as expressas e algumas palavras acrescentadas para completar o sentido da frase.

São os significados dos sinais utilizados: Marcas de expressão, hesitações e quebras de raciocínio: reticências. Incompreensão de palavras ou segmentos: parênteses e ponto de interrogação (?).

Hipótese do que seu ouviu e se transcreveu: entre chaves

Expressões de sentimentos ou comentários descritivos do transcritor: entre chaves [risos]

Entoação enfática: traço abaixo da palavra: atenção básica

Títulos de livros, nomes de doenças (mesmo que populares), componentes químico-médicos: fonte itálica.

Interrupções na fita foram sinalizadas com: [interrupção da gravação]

Discurso pronunciado pelo Senador Mario Covas na Sessão do Senado do dia 28 de Junho de 1989

Senhor Presidente, Senhores Senadores: Encerra-se o ciclo das convenções partidárias para a escolha dos candidatos à sucessão presidencial. Começa, agora, a campanha eleitoral. É chegado o momento da exposição dos candidatos ao julgamento da Nação. De suas ideias. E, também, da coerência entre o que dizem e os atos praticados no passado. Entre a imagem que pretendem transmitir e a sua história de vida. A hora da opinião cessa para dar lugar à hora do julgamento. Não é hora de construir imagens, mas de expor o candidato por inteiro. A moral determina e o momento acentua a exigência, que se concilie a política com a verdade. Meu compromisso permanente, de que é evidência minha própria vida, é com a verdade e sobre ela hei de ancorar minha campanha. Jamais fiz, não faço e não farei nenhum tipo de concessão de natureza eleitoral. Não me submeterei a um esforço artificial de criação de atos ou fatos, a qualquer jogo de aparência, ou a truques de persuasão publicitária. Apresento-me ao povo brasileiro sem maquiagem, frente a frente, como sempre fiz, para poder olhar e ser olhado nos olhos. A verdade será sempre a minha arma política. Minha candidatura não está colocada como produto para capturar emoções fabricadas no mercado. Mas sim como uma proposta de reforma radical do Estado e da sociedade, dirigida à consciência e à razão dos brasileiros. Não nego que aceitei com entusiasmo minha indicação. Achei que era um dever candidatar-me para colocar a serviço do País a experiência e a visão que me proporcionaram as funções públicas que exerci ao longo da vida. Candidato que sou à Presidência da República, assumo a responsabilidade de expor nossos princípios e objetivos, contrapondo-os às meias-verdades, às definições vagas e a dilemas ideológicos superados pela História. O PSDB tem um programa consistente e factível para o Brasil. Um programa fundamentado nas ideias básicas da mais vitoriosa experiência política do pós-guerra: a social-democracia. Esse programa reflete as aspirações mais profundas do povo brasileiro. Ele será o fundamento de nossa prática de governo, superando alternativas impostas pelo imobilismo, pelo medo às mudanças e por compromissos escusos com o passado. Tomamos a decisão de marchar rumo a um país renovado, que ingresse numa nova era. Sem ambivalências. Sem temor de ousar. Sem concessões à demagogia irresponsável. Faço este pronunciamento nesta Casa como afirmação de respeito a todos os Estados da Federação, que têm no Senado seu foro político mais representativo. Sou um político. Compreendo a função política na democracia como o instrumento mais eficaz para a transformação e aperfeiçoamento das estruturas sociais. Fui dela afastado, compulsoriamente, pela ditadura. A ela voltei pelo único caminho legítimo: o voto popular. Asseguro, sem vacilação, que é possível conciliar política e ética, política e honra, política e mudança. Sr. Presidente, Srs. Senadores, não aceito a visão pessimista dos que não veem saída para a crise. O Brasil real, hoje não justifica a imobilidade, o desânimo, nem o desespero. Temos um dos maiores parques industriais do mundo, uma infraestrutura econômica considerável, dispondo de tecnologia de ponta, uma agricultura em rápida expansão, rasgando novas fronteiras. Temos terras abundantes e grandes reservas minerais. Temos uma força de trabalho imensa e competente, um empresariado dinâmico e ousado. Em síntese, um sistema econômico consolidado e com capacidade de poupar e investir. O País é forte, mas vem sendo agredido duplamente: de um lado, por crescente degradação da infraestrutura, causada pelo esgotamento da capacidade de investimento do Estado e pela brutal sangria da dívida externa; de outro, pela escalada da inflação, que desorganiza a economia, concentra sempre mais a renda, premia a especulação, deprime os salários reais e a receita pública. O País está embriagado por uma cultura inflacionaria. Muitos sequer a combatem porque dela se beneficiam. É por isso que a inflação persiste ameaçando devorar nosso presente de democracia e nosso futuro de desenvolvimento. Combatê-las sem tréguas é precondição para reorganizar as finanças internas e reestruturar a nossa articulação com o mundo. No mundo contemporâneo, que avança por grandes saltos tecnológicos e organizacionais, cada década representa um século a ser ganho ou a ser perdido. Está nas mãos desta geração promover esse salto. Ou o faremos logo, ou retrocederemos. Proponho ganharmos juntos, na próxima década, um século de prosperidade, com justiça social. Para isso é preciso ter claro o rumo. Sou candidato a suceder o atual Presidente. Pergunto-me o que faria se estivesse hoje no cargo. Fiz-me a pergunta com um teste a mim mesmo. Estou preparado para respondê-la em uma frase: exerceria plenamente a autoridade inerente ao cargo. O País precisa e está ansioso para ter governo. Eleito, exercerei a autoridade sem autoritarismo, com base na legitimidade conferida pelo voto popular, com a credibilidade dos que conhecem o valor da palavra pública e o sagrado compromisso que ela envolve. Convocarei para os ministérios e para os altos cargos os homens e mulheres experientes, honestos e capazes. Com eles reconstruiremos o Brasil. Jamais nomearei alguém pelo fato de ser meu amigo ou amigo de meus amigos. (Palmas) Sr. Presidente e Srs. Senadores, não basta, entretanto, que o Presidente construa seu governo inspirado pelos mais altos padrões da moralidade. Precisamos situar-nos diante das opções que se abrem ao País para enfrentar as transformações que ocorrem no mundo e entre nós. Nestas duas últimas semanas a opinião pública internacional assistiu ao drama da China. A abertura econômica sem prévias reformas democratizadoras levou aquele grande país à confrontação. Enquanto isso a União Soviética realiza reformas em sua estrutura política, como precondição para os saltos econômicos. O mundo está cada vez mais unificado, com a Europa elegendo mais uma vez seus parlamentares para o governo da comunidade e com discussões até sobre a unificação da moeda e do câmbio. De outro lado os Estados Unidos se integram com o Canadá e reforçam seus liames com o Japão e mesmo com o México. Com essa reorganização geopolítica e econômica do mundo, o sistema financeiro internacional, baseado em Bretton Woods, terá de ceder espaço a uma nova organização econômica e política. O Brasil não pode permanecer cego e insensível às mudanças que ocorrem. Em face dessas transformações o Brasil tem propostas a formular e deve participar com força das negociações. Pensando nesses problemas, refleti muito estes dias para dizer-lhes: confio no País e em nossa capacidade de decisão. Por isso mesmo, continuei andando pelo Brasil afora, ouvindo e vendo, ao invés de ir ao exterior buscar conselhos e medidas salvadoras. (Palmas) Nosso programa e nossas propostas tomam em conta o que está ocorrendo no mundo, mas são o resultado de um esforço próprio, dotado de autonomia intelectual. Não devemos dirigir-nos à opinião pública internacional nem em termos de queixas nem de submissões. Devemos isso sim, posicionarmo-nos com independência crítica como um país que sabe o quanto, hoje, as nações devem ligar-se umas às outras até ao ponto de podermos sustentar uma espécie de Constituição mundial na qual os direitos dos povos do universo estejam assegurados sem engolfar os legítimos interesses de cada país. É duro contrastar as necessidades de opções lúcidas para o futuro com as angústias do presente: é a bolsa que estoura, aumentando o temor dos que hoje se refugiam nos títulos da dívida pública como dique aparentemente seguro diante da corrosão inflacionaria. É a hiperinflação que deixou de ser um conceito para ser o pão nosso das agruras cotidianas de todo mundo. É o Plano Verão que se esboroa sem deixar saudades. É a economia que volta à indexação, sem indexar os salários, o que é inaceitável. (Palmas) Mas não posso deixar de lhes dizer, Srs. Senadores, que não basta considerar a conjuntura para responder o que se faz quando se é governo. Um estadista tem o dever de conhecer a direção para a qual a sociedade deseja caminhar. Ser nacionalista, hoje, é defender uma política nacional de desenvolvimento. Não é hora de se querer simplesmente reformar o passado, nem de se conformar com o presente. É a hora de atualizar objetivos antecipando o futuro. O verdadeiro nacionalismo impõe a capacitação do País para a competição internacional e a defesa da nossa parte na “renda mundial”. Não faz sentido isolar o País numa autarquia. Ele deve participar da nova ordem política mundial. E esta supõe os “direitos humanos das nações” e não apenas dos indivíduos. Uma nação não pode ser torturada por outras, negando-se-lhe acesso aos mercados, aos conhecimentos dos processos produtivos ou obrigando-a a dispor de seus recursos para pagar dívidas extorsivas, ao invés de fazer novos investimentos. O Brasil precisa importar mais do que faz atualmente. Não podemos ser a 25ª nação exportadora e, ao mesmo tempo, exibir o terceiro superávit comercial, ultrapassado apenas pelo Japão e Alemanha. Temos que exportar bastante para importar bem mais do que hoje, a fim de aumentar a produção interna, trazer tecnologia moderna e aliviar as finanças do governo. Um governo sério e competente, com o respaldo de toda a Nação, reduzirá drasticamente a sangria representada pela transferência de parte considerável da receita tributária para o pagamento da dívida. (Palmas) Serão bem-vindos investimentos estrangeiros, dentro das normas constitucionais e nos marcos de uma nova política industrial, tecnológica e de desenvolvimento. Do exterior, o Brasil quer meios de produção, quer sócios e não credores. Nesta década perdida aconteceu o contrário. Nossa dívida externa aumentou 130%, em boa parte por causa dos juros flutuantes e perdemos cinco bilhões de dólares de investimentos, pela diminuição do ingresso e aumento das remessas e repatriações. Daremos passos ousados para atrair capitais de risco, desenvolvendo nosso comércio exterior e aliviando a dívida. Hoje, com a aceleração das transformações tecnológicas, geopolíticas e culturais que o mundo está atravessando, a opção é manter-se na vanguarda ou na retaguarda das transformações. É com esse espírito de vanguarda que temos que reformar o Estado no Brasil. Tirá-lo da crise, reformulando suas funções e seu papel. Basta de gastar sem ter dinheiro. Basta de tanto subsídio, de tantos incentivos, de tantos privilégios sem justificativas ou utilidade comprovadas. Basta de empreguismo. Basta de cartórios. Basta de tanta proteção à atividades econômicas já amadurecidas. Mas o Brasil não precisa apenas de um choque fiscal. Precisa, também, de um choque de capitalismo, um choque de livre iniciativa, sujeita a riscos e não apenas a prêmios. (Palmas) Zelaremos pela moeda nacional que, em face da sua degradação, já foi substituída duas vezes na Nova República e caminha para a terceira mudança. A queda da inflação trará a melhoria da arrecadação de impostos. Não é preciso elevar alíquotas mas, sim, combater a sonegação, eliminar favores e privilégios tributários. Há hoje setores que se quer pagam impostos. Agiremos com firmeza. O Estado brasileiro cresceu demasiadamente como produtor direto de bens, mas atrofiou-se nas funções típicas de governo. Vamos privatizar com seriedade e não apenas na retórica. Vamos captar recursos privados para aumentar os investimentos de empresas públicas estratégicas e rentáveis. Vamos profissionalizar a direção das estatais, estabelecer um código de conduta. Metade da nossa indústria está atrasada tecnologicamente. Importamos pouquíssima tecnologia – talvez nem um vigésimo do que gastamos com turismo externo registrado e não registrado. Temos que inverter essa situação. Não podemos permitir que o futuro seja a grande vítima do presente. Sabem, os que me ouvem, que a produção agrícola, nesta década, cresceu anualmente per capita a um ritmo menor do que entre 1947 e 1980? Há muito a fazer. Dobrar a produção agrícola numa década é a nossa meta. Isso requer intensificação nas pesquisas, irrigação, armazenagem e transportes. Além de preços para os que produzem e impostos fortes para os que não produzem, deixando suas terras subtilizadas. (Palmas) Ao lado disso, implantarei a reforma agrária como um grande programa social, assentando na terra os que precisam e podem trabalhar nela. Nosso povo quer e precisa consumir cada vez mais, o que é natural, necessário e correto. Mas isso, só pode acontecer se aumentarmos, sem parar, máquinas, estradas, hidrelétricas, casas. O investimento precisa de financiamento a longo prazo, pois no mais das vezes requer muito tempo para oferecer retornos. E isto vamos fazer: organizar os financiamentos de longo prazo para o desenvolvimento. Juntos com financiamento, a expansão econômica sustentada requer tecnologia e recursos humanos qualificados. Esta será a nossa maior prioridade. Vamos mobilizar o Estado para a revolução educacional que o Brasil necessita. Não é uma vergonha que apenas 20% dos adolescentes de 15 a 19 anos de idade frequentem escola secundária? Meu governo terá sempre presente que o professorado está cansado de ser explorado sob o pretexto de que ensinar é um sacerdócio. (Palmas) Não. É uma profissão e profissão fundamental para o desenvolvimento do País. Os gastos com o ensino não podem ser considerados ‘de custeio’, eles constituem investimento e tão vital para o crescimento econômico como qualquer outro investimento produtivo. O Brasil é gente. São 140 milhões de pessoas. A Bandeira Nacional simboliza essas pessoas e não apenas um território. Não há maior sentimento de revolta do que se ver brasileiros vivendo com condições subumanas. Tão importante quanto manter um metro de fronteiras é manter uma vida humana. A defesa do ecossistema é a defesa da própria vida, não apenas vegetal ou animal, mas da vida humana. Uma cidade, uma civilização ecológica assegura não apenas ‘o verde’, mas a sobrevivência humana com um padrão de dignidade. Não se pode opor os interesses universais de preservação do meio ambiente aos da soberania nacional, até porque só existe soberania quando há uma população com condições para sobreviver com dignidade e, portanto, apta a preservar a espécie e senhora dos mecanismos, que permitam a reprodução da vida. Para mim, a defesa intransigente da ecologia é a mesma coisa que a defesa soberana da preservação do Brasil, como uma comunidade de pessoas capazes de conviver harmonicamente entre si e com o meio circundante. Senhor Presidente e Srs. Senadores, gostaria de retomar a afirmação sobre a necessidade de as reformas políticas antecederem ou, pelo menos, acompanharem as reformas econômicas e sociais para dotar o País de governabilidade. Não basta que o Presidente exerça legitimamente a autoridade que o voto popular lhe confere. É preciso que façamos com coragem reformas políticas que assegurem governabilidade e institucionalização da democracia. A primeira delas é a introdução do parlamentarismo. (Palmas) Nos moldes previstos pela Constituição: através do plebiscito e com uma simultânea reforma administrativa que assegure a permanência de um corpo de funcionários concursados para dar continuidade à administração. Trago o compromisso pessoal e partidário no sentido de propor ao Congresso Nacional a antecipação do plebiscito de modo a que o próximo Congresso seja eleito sob a égide do parlamentarismo, a ser implantado no ano de 1991. (Palmas) Até lá, a reforma administrativa estará em vigor. Ao lado dessas medidas impõe-se a revisão dos sistemas partidário e eleitoral. Isso será feito garantindo a proporcionalidade exata da representação dos partidos minoritários associados aos modernos mecanismos de voto distrital misto. Governo moderno, Srs. Senadores, é governo capaz de descentralizar a administração, dando maior responsabilidade, ao lado de mais recursos, aos Estados e Municípios e que se apoie nas formas institucionalizadas de participação popular. O objetivo de meu programa de governo é preparar o País para um verdadeiro processo de democratização da sociedade. O escárnio, o escândalo que a enorme concentração de renda representa, tem um alto custo: impede que a democracia seja um valor consensual na sociedade. Não é preciso dar exemplos. Ou revertemos na próxima década os indicadores sociais negativos e as perdas de poder real de compra dos salários ou não nos enganemos, o fantasma dos demagogos, dos ditadores do autoritarismo ganhará corpo. E mais: não há economia moderna capaz de competir, internacionalmente, sem um mercado interno também forte, sem consumidores e sem um povo educado, reivindicante e capaz de ser, ele, o fator primordial do progresso tecnológico. Desigualdade não se corrige com estagnação. Corrige-se redistribuindo a renda e crescendo ao mesmo tempo. O Sr. Maurício Corrêa – Permite-me V. Ex. um aparte, nobre Senador Mário Covas? O Sr. Mário Covas – Com prazer, ouço o nobre Senador Maurício Corrêa. O Sr. Presidente – (Nelson Carneiro. Fazendo soar a campainha) – Peço ao nobre Senador Maurício Corrêa seja breve no seu aparte, porque o orador já esgotou o seu tempo. O Sr. Maurício Corrêa – Perfeitamente. Nobre Senador Mário Covas, ouço o discurso de V. Ex. com grande prazer. Posso não concordar com muitas das facetas dos temas levados, das propostas. Entretanto, devo dizer que V. Ex. tem um passado que honra esta candidatura pelo que V. Ex. desempenhou, ao longo de toda Constituinte. Sou testemunha instrumental disso. Devo dizer que V. Ex. se credencia como candidato pela expressão que significa no mundo político brasileiro, haja visto o que resultou da última eleição, consagrando-o como o mais votado dos candidatos ao Senado no Brasil. Por outro lado, devo dizer que V. Ex. tem mais do que tudo, tem o conceito ético do dever político. Não traz na sua saga o oportunismo. Pelo contrário, é um homem que se coloca, que se justapõe, neste momento, como candidato autêntico. Por isso mesmo, eu me permito, ainda que tenha um candidato pelo qual vou lutar até o final, com tudo isso, eu me permito, neste instante, neste breve aparte, dizer que V. Ex., pelo seu passado, pela sua honradez, pela sua dignidade, vai emprestar a essa disputa no dia 15 de novembro um padrão ético altíssimo tal qual registra todo o seu passado. Era isso que queria dizer a V. Ex. (Palmas) O Sr. Mário Covas – O Senador Maurício Corrêa valoriza as nossas eventuais discordâncias que, tenho certeza, são extremamente pequenas. Honra-me muito o seu aparte, sobretudo tenho em vista a sua origem. E se já não tivesse dezenas, centenas, milhares de razões para responder por essa conduta, levo ao acervo de responsabilidade o aparte que acabo de receber, com um enorme, um profundo estímulo a uma luta da qual, nem o senador, nem eu próprio, nunca nos apartaremos. O Sr. Jarbas Passarinho – Permite V. Ex. um aparte? O sr. Mário Covas – Ouço o aparte do nobre senador Jarbas Passarinho. O sr. Jarbas Passarinho – Acho que o Senado fica a dever a V. Ex. este gesto: V. Exª escolheu esta Casa para o seu discurso e, tanto quanto sei, é o primeiro que ouço com a plataforma completa daquilo que pretende fazer. V. Ex.ª disse que vai pautar sua conduta pela pregação da verdade. Estimo que seja extremamente feliz nessa conduta, porque todos nós recordamos que, há quase dois mil anos, Pôncio Pilatos perguntou o que era a verdade. E ela está em suspenso até hoje como resposta. V. Ex.ª disse, também, que não fará maquiagem, que não fará concessões. Eis um caminho árduo, difícil, num país que, infelizmente, ainda não está suficientemente politizado para poder distinguir a conduta ética da conduta dos aproveitadores. Estimo que V. Ex.ª seja feliz e que prove que este Brasil já pode receber mensagens desta natureza e responder afirmativamente a elas. Não é o momento, inclusive pela coação regimental, pela voz de nosso presidente, que o aparte possa ser mais longo. Eu gostaria, apenas de pinçar um ponto da plataforma de V. Ex.ª para, com ele, me solidarizar inteiramente: quando V. Ex. colocou, com uma visão realmente de estadista, que a aplicação de recursos na educação não deve ser entendida como despesa ou custeio, mas eu diria até como pré-investimento e que V. Ex.ª seja feliz, se chegar ao Palácio do Planalto, sabendo que é melhor investir no processo de maturação de 14 anos, do que em uma ponte, do que em uma estrada, do que naquilo que normalmente os homens fazem quando chegam ao poder, para por seu turno receberem a resposta popular mais rápida. Que V. Ex.ª seja feliz (Muito bem! palmas). O sr. Mário Covas – Agradeço muito ao nobre senador Jarbas Passarinho pelo generoso aparte que, certamente nasce de uma amizade que eu cultivo com muita satisfação e de longa data, e com uma admiração que faço questão de sempre reafirmar. Entendo que a melhor forma de afirmar esse compromisso com a verdade é declarar com humildade que esta é a minha verdade. E para que me credencie a defender a minha verdade. Começo por manifestar a humildade de saber que existem outras verdades e que elas são tão sustentáveis quanto às minhas e que a única razão pela qual um homem, um democrata passa a ter o direito de defender a sua verdade é exatamente o respeito que ele manifesta pela alheia. De forma que a todos os companheiros do Senado, àqueles que comigo comungam ou àqueles que de mim divergem, eu desejo declarar desde logo que o meu primeiro compromisso com a verdade começa por reconhecer a dimensão e a prerrogativa da verdade alheia. O Sr. Divaldo Suruagy – Senador Mário Covas. V. Exª me permite um aparte com a anuência do nosso presidente? O Sr. Mário Covas – Ouço V. Exª, com muito prazer. O Sr. Presidente (Nelson Carneiro)- A Mesa solicita ao aparteante que seja breve, exatamente para possibilitar que haja maior número de aparteantes. Senão, chegaremos a um momento em que teremos que interromper a intervenção dos colegas. O Sr. Divaldo Suruagy – Senador Mário Covas, sou daqueles que acreditam que a verdade sempre predominará sobre a mentira. E como V. Ex.ª coloca como tônica maior aquilo de que este País esta carente, que é a verdade dominando sobre falsas mensagens, merece, neste instante, o respeito não apenas do Senado da República, Casa que V. Ex.ª dignifica com a sua atuação, V. Ex.ª dignifica a atividade política, tão desgastada nos dias de hoje. V. Exª é um exemplo de que a política pode ser feita com dignidade. O Sr. Mário Covas – Agradeço muito o aparte do senador Divaldo Suruagy. Muito grato pela manifestação e, sobretudo, pela referência de natureza pessoal. É para mim extraordinariamente honroso, receber de companheiros de tão diferentes partidos, a solidariedade na intenção, a solidariedade no objetivo, ainda que eventualmente possa haver divergência na proposta. O Sr. Humberto Lucena – Permite V. Exª um aparte? O sr. Mário Covas – Pois não. O Sr. Humberto Lucena – Sinto-me bem em ouvir o discurso de V. Exª, e em constatar – o que não é surpresa para mim- que V. Exª continua sendo, na política, aquele homem com “H” maiúsculo que conheci nos idos de 1968, quando tive a honra e a ventura de ser o seu 1º vice-líder, na hora em que V. Ex.ª comandava a bancada do MDB, na Câmara dos Deputados. E lembro bem que me coube a coordenação da sua escolha. Na época, V. Exª vinha de um pequeno partido. Diante da disputa que se instalou, na frente, que era o MDB, a trincheira de resistência ao autoritarismo de então, descobri em V. Ex.ª o nome de consenso que, com tanta dignidade pessoal e política, soube se comportar naquele episódio histórico da vida brasileira. V. Exª, como bem acentuou o nobre líder Jarbas Passarinho, tem a postura, nesta tribuna de um estadista e o Brasil precisa como nunca de estadistas. Tenho certeza, nobre senador Mário Covas, de que V. Ex.ª, com a sua candidatura à presidência da República, independente do partido a que pertença, coloca muito alto o nível do debate que há de se travar na sucessão presidencial da República. E a mim me parece, salvo melhor juízo, que apesar de todos os resultados de pesquisas já publicados, quem vai dar o tom da sucessão é justamente o debate. O eleitor brasileiro, o homem comum do povo, quer saber, de cada candidato, quais são as suas propostas para tirar o Brasil dessa crise que aí está, dessa crise econômica, moral, social, política e cultural. E V. Ex.ª, com humildade que o caracteriza, mas, sobretudo, com seu patriotismo e com a sua competência, trouxe as suas ideias e mostrou-as ao Brasil através da mais alta tribuna do Congresso Nacional. Creio, senador Mário Covas, que as nossas divergências não são substantivas, mas apenas adjetivas. Eu V. Ex.ª e outros companheiros que aqui estão, no Senado e na Câmara, somos oriundos do mesmo berço político, pois viemos do MDB e do PMDB, Nós portanto nos parecemos. Mas o importante é que V. Ex.ª se parece com o Brasil e com o seu povo. Meus parabéns. (palmas) O Sr. Mário Covas – Obrigado. Gostaria de agradecer ao nobre senador Humberto Lucena. Ele e eu fomos protagonistas, certamente, de uma das maiores invenções já ocorridas neste Congresso. Foi a primeira na história deste Congresso, em que o líder era o primeiro vice-líder, e o primeiro vice-líder era realmente o líder da bancada. De forma que agradeço não apenas o convívio daquela época quando, simultaneamente, encetamos uma série de lutas juntos, mas o convívio, Sr. Presidente, antes de tudo, e o motivo de profunda honra para mim. O Sr. Fernando Henrique Cardoso – Permite-me V. Ex.ª um aparte? O sr. Mário Covas – Com todo o prazer. O Sr. Fernando Henrique Cardoso – Gostaria de expressar ao senador Mário Covas, pela bancada do PSDB, a nossa alegria de estarmos aqui escutando esse pronunciamento. Não trouxemos trajes de astronautas, mas tenho certeza que V. Ex.ª, a esta altura, “voa” como um tucano, mas um tucano estratosférico (palmas), faz um discurso de estadista e, o que é mais importante, levanta vôo, sabendo o plano de voo – sabe o rumo e o rumo é o melhor para o Brasil. O que disse V. Exª é o que todos nós pensamos. (palmas) O sr. Mário Covas – Fico muito grato, senador Fernando Henrique Cardoso, em cujas palavras vejo a identidade do companheiro de partido, do formulador permanente e , mais do que isso, do amigo de sempre. Continuo, sr. Presidente! São estas as diretrizes de nossa proposta, delas não me apartei durante a campanha e no exercício do mandato, se a tanto for levado pelo eleitorado, como espero. Por fim, uma palavra a questão da ética na política. Nessa matéria, o ideal seria nem precisar falar: ética, deve revelar-se na conduta, sem maiores questionamentos. Graças a Deus, na minha longa carreira pública, nunca precisei, sequer, prestar explicações sobre a moralidade de qualquer de meus atos: ninguém jamais duvidou dela. Pretendo, como presidente, continuar assim. E cobrarei de forma inflexível, idêntica conduta de todos os colaboradores. Prossigo. Há dois dias, o PSDB completou um ano. Nesse período, organizamos o partido. Partido com convicções, partido que definiu um programa, partido que reflete na sua postura a indignação de um povo cansado de tanta corrupção, de tanto desgoverno, de tanta incompetência. Não queremos apresentar uma candidatura baseada apenas na força de uma pessoa ou de intenções indefinidas. Jogamo-nos na campanha sustentando o que somos e o que faremos. Com toda clareza e convicção. A hipoteca que pesa sobre a nação, representada por tudo o que de passado contém nosso presente – a dívida externa – a dívida interna e a imensa dívida social – será, por nós resgatada nas ações comerciais de governo, no trabalho pela pátria e pelo fortalecimento da gente brasileira. Este, o nosso compromisso, pessoal e coletivo. Repleto deste antigo e tão eterno sentimento de patriotismo, levanto meu olhar para além do horizonte do cotidiano conturbado e reafirmo a mais profunda crença no Brasil e nos brasileiros. Vamos juntos, fazer do Brasil a terra da esperança renovada! E que a sociedade brasileira possa frutificar no caminho da dignidade, do desenvolvimento e da democracia.

(Muito bem! Palmas prolongadas. O orador é cumprimentado)